No interior da Bahia, estado do Nordeste brasileiro, um grupo de estudantes do curso técnico em Análises Clínicas desenvolveu uma nova tecnologia, que transforma o resíduo do sisal, uma planta típica da região, em bioplástico. A partir desse material, foram criadas luvas descartáveis com baixo tempo de decomposição após o uso. O projeto, intitulado “Produção de Luvas através de Bioplástico”, foi vencedor do júri popular do Solve for Tomorrow no país, em 2022.
A ideia surgiu durante as aulas práticas no Centro Territorial de Educação Profissional (CETEP) do Sisal II, em que se conduzem estudos laboratoriais na área da saúde. Cinco estudantes do 1º ano do Ensino Médio (antepenúltimo ano de escolaridade obrigatória) notaram que o volume de resíduos gerados pelas luvas era alto no final de apenas um dia. Apesar das luvas de látex serem equipamentos de proteção importantes para evitar a contaminação biológica, elas possuem um tempo de decomposição longo, que pode chegar a 400 anos.
A professora Pachiele Cabral, mediadora do projeto, explica que a intenção da equipe também era valorizar a cadeia produtiva do sisal. A cidade de Araci, onde fica a escola, possui alta produção dessa planta. “O município não se desenvolve economicamente no sisal, pois tudo é levado para indústrias de outras cidades, que depois exportam esse material e os produtores locais não enriquecem. Então pensamos em possibilidades do que pode ser feito com o sisal. Apenas 3% dele é utilizado para as fibras, 93% é descartado e o restante serve como alimento para gado em período de seca. Por que não valorizar essa parte que é jogada fora, sem atrapalhar a cadeia industrial dos produtores?”, questiona.
O primeiro desafio foi produzir o bioplástico com o sisal. A partir de artigos científicos que relatam a plastificação de outras espécies vegetais, a equipe realizou diversos testes, com partes diferentes da planta. Descobriu-se que era possível chegar ao bioplástico misturando o extrato do sisal descartado nas áreas rurais com alguns produtos químicos, em um processo de cozimento e agitação. Vários materiais foram testados na composição do bioplástico, mas a fórmula obtida até então era composta de água destilada, ácido acético, hidróxido de sódio e glicerina.
Esse resultado animou muito a equipe, foi uma luz que acendeu ali. Por ser uma ideia inovadora, não tinha na literatura metodologias prontas para desenvolver um bioplástico do sisal, muito menos as luvas. Então, foi um trabalho de pesquisa na prática, onde a gente foi criando do zero. Os alunos tiveram que ‘quebrar a cabeça’ na metodologia e teste de material, desenvolvendo esse olhar investigativo, declara.
Mão na massa para moldar a luva
O passo seguinte foi transformar o bioplástico em luvas. Para isso, era necessário um molde em formato de mão, que não grudasse o material na hora de desmoldar. Sem acesso a moldes semelhantes aos utilizados pela indústria – que só são fabricados fora do Brasil – a equipe testou modelos de gesso, metal e plástico, mas o melhor resultado foi com o de silicone. “O material fica no molde por 48h em temperatura ambiente. Nesse tempo, vamos dando camadas para ficar na forma ideal que a gente deseja. Depois, as luvas são impermeabilizadas com talco e seguem para os testes de controle de qualidade”, descreve.
Os estudantes fizeram testes de tração, permeabilidade e biodegradabilidade das luvas, com resultados surpreendentes. O material feito com bioplástico do sisal resiste a um calor de até 190ºC, enquanto as de látex perdem suas propriedades a partir de 160ºC. O bioplástico também é mais impermeável que o látex, além de se degradar rapidamente após o descarte. “O sisal tem biodegradação de três a seis meses. Mas, em nossos testes, as luvas se degradaram em apenas um mês. Essas descobertas foram uma grande alegria pra gente”, comemora a professora.
Este ano, a equipe está focada em evoluir o protótipo, com a realização de testes de alergia e microbiológicos. Graças à visibilidade do projeto com o Solve for Tomorrow, os estudantes conseguiram fechar uma parceria com a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia para realizar os testes no segundo semestre de 2024. Os ensaios são recomendados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que as luvas possam ser utilizadas em maior escala por profissionais de saúde.
Os estudantes também estão testando materiais alternativos, como resíduos do sisal e papel reciclado, para desenvolver caixas que sirvam como embalagens para as luvas de bioplástico. “É incrível como os alunos que antes estavam tímidos, que não tinham ideias, hoje têm a mente borbulhando de novas possibilidades”, destaca Cabral.
Motivação
A participação dos estudantes abriu novas portas e perspectivas de vida. O município de Araci não possui indústria desenvolvida e nem universidades. Os principais empregadores são o comércio local, os órgãos públicos municipais e as plantações de sisal. No entanto, a professora acredita que o aprendizado prático com os projetos de ciência podem mudar essa realidade.
“Vocês não têm noção do poder transformador que o Solve for Tomorrow teve em nossas vidas, no sentido de dar visibilidade. O município tem uma realidade em que você não vê muitas pessoas vencerem, mas é preciso acreditar. O projeto foi uma resposta, para dizer que não era uma perda de tempo, que não é só por um prêmio. O rendimento dos estudantes na sala de aula era muito baixo e, depois desse projeto, eles evoluíram, os professores chamam para elogiar, os pais têm o maior orgulho e estão sempre participando”, comemora.
Graças ao sucesso das luvas de bioplástico, a escola obteve novos equipamentos para o laboratório. Ao ver a necessidade de investimentos, o governo estadual forneceu um destilador de água, um agitador magnético e uma balança semianalítica para aperfeiçoar a produção do protótipo. Outro impacto positivo foi a abertura de fronteiras, por meio de prêmios, convites para viagens e participações em eventos científicos de outros estados e países.
Na escola, os estudantes permanecem no caminho da ciência, desenvolvendo novos projetos para solucionar os problemas observados no cotidiano. “Eles começaram a abrir a mente e hoje trabalham em projetos como produção de biocombustível a partir do tamarindo, produção de absorventes biodegradáveis com o próprio sisal, produção de repelentes. Outros alunos estão entrando no movimento e eles mesmos são líderes desses projetos”, celebra.