Um estudante de Envigado disse certa vez que, ao sentir a fumaça de um carro no rosto, foi como se a tinta preta cobrisse sua pele. Dessa anedota surgiu um projeto estudantil que decidiu transformar os fatores poluentes do ar em utilidade para a população. A “Máquina Transformadora de Fumaça Veicular em Tinta” (Máquina Transformadora de Humo Vehicular a Tinta, no original), como foi intitulado o projeto, foi desenvolvida por um grupo de jovens e se consagrou como uma das cinco iniciativas destacadas do Solve for Tomorrow na Colômbia, em 2023.
Estiveram envolvidos cerca de 30 estudantes do 10º ano, penúltimo da escolaridade obrigatória, representados por uma equipe de quatro estudantes de destaque, com idades entre os 15 e os 16 anos. Quando tiveram que decidir em qual problemática deveriam focar para se candidatarem ao Solve for Tomorrow, escolheram a poluição do ar, por ser um problema frequente no país e que impacta diretamente suas vidas. Às vezes, os adolescentes nem conseguem praticar esportes ao ar livre, devido à alta poluição. Só em 2015, a má qualidade do ar causou cerca de 10 mil mortes no país, segundo o Departamento Nacional de Planejamento.
O professor mediador foi Alexander Echeverri, que em 2023 lecionou Física e Química e este ano é responsável pela disciplina extracurricular de Projeto de Áreas Integradas. Ele lembra que o primeiro passo foi pesquisar o tema, com a ajuda da bibliotecária escolar. Os estudantes conversaram com familiares e vizinhos para ouvir suas histórias sobre como são afetados pela poluição do ar. Em seguida, fizeram uma entrevista com a Secretaria de Meio Ambiente da cidade para saber o que estava sendo feito para combater o problema. “Basicamente, disseram-lhes que as medidas são fazer o rodízio de veículos [“pico y placa”, como é conhecido na Colômbia] e aconselhar as pessoas a ficarem em casa quando a qualidade do ar estiver muito ruim. Essa solução pareceu-lhes insuficiente e procuraram uma alternativa mais tecnológica”, afirmou ele.
Depois de pesquisar diversas fontes, encontraram uma forma de gerar filtros para absorver o dióxido de carbono e transformá-lo em tinta para obter piche (ou alcatrão), que é usado como asfalto para pavimentação de ruas. Mas os estudantes pensaram em diluir essa tinta e utilizá-la para outros fins.
Para fazer o protótipo, eles usaram um ventilador que já não funcionava bem. Eles o desmontaram e programaram para que, em vez das lâminas emanarem ar, absorvessem. A máquina então absorve o dióxido de carbono do motor do veículo. A fuligem que fica no final é misturada com metanol e soda cáustica para criar uma tinta condensada que pode ser diluída e usada para diversos fins, como recarregar um marcador escolar.
Eles aprenderam a medir a frustração e a ser resilientes. O erro não deve ser um fator desmotivador, mas sim um incentivo para crescer, destaca Alexander Echeverri.
O painel solar foi feito de silício policristalino com capacidade de 5V e 60 mA, e localizado na parte superior do protótipo. “Foi uma evolução. Os primeiros funcionaram para veículos onde o silenciador era menor e depois testaram em motocicletas, onde era maior. Depois tiveram que ampliar o tamanho do filtro durante os testes”, diz o professor.
Muitas tentativas também foram necessárias para fazer a tinta: “A quantidade de fuligem misturada com a quantidade de metano não foi suficiente: ou a tinta ficou muito transparente ou permanente. Depois de muitas tentativas conseguimos fazer a combinação ideal”, completa o educador.
Parcerias foram essenciais para testes
Quando chegaram à fase de validação do protótipo, a parceria com uma oficina automotiva localizada em frente à escola foi de grande importância. Até então, as pessoas não se sentiam seguras em disponibilizar seus veículos para testar o novo aparelho, e o dono da oficina foi o primeiro a apostar na ideia. “A equipe foi direto para lá, conversou com o proprietário e ele disponibilizou os motores para testes. Em seguida, começou a divulgar para que outras pessoas também pudessem se envolver”, relata.
Assim, a equipe realizou os testes em táxis, veículos particulares e até ônibus. Em geral, a conclusão foi que quanto maior o veículo, mais fuligem foi gerada e mais tintas foram extraídas. Mas também surgiram mudanças, de acordo com os modelos de veículos e tipos de combustível utilizados, entre outras variáveis.
Um carro de médio porte, com duas ou três horas de condução, pode gerar aproximadamente um litro de tinta. Ou seja: 40 ou 50 gramas de fuligem misturados com 500 ml de metanol e quatro gramas de soda cáustica.
Do ar ao chão da rua
A tinta já era usada na escola para fazer marcadores para os professores. Agora, no 11º ano, os estudantes continuam testando novas ferramentas de criação. “Graças à orientação do Solve for Tomorrow, os estudantes já estão transformando a fumaça não apenas em tinta, mas também em piche”, diz Echeverri.
As parcerias continuaram após o programa e a premiação deu muita visibilidade à iniciativa. Até a administração pública demonstrou interesse em patrocinar o projeto para realizá-lo em larga escala. “Eles tiveram um reconhecimento que abriu muitas portas: o prefeito lhes deu um certificado e prometeu divulgar e patrocinar o projeto para que pudessem continuar”, orgulha-se o educador. Ele também espera que possam ser conseguidas bolsas de estudo na Prefeitura para que os estudantes possam continuar seus projetos na Universidade no próximo ano.
Motivação para continuar
Para o professor, seu papel como mediador é motivar os jovens e encontrar recursos para que possam realizar o projeto. “Por exemplo, o que eu tive que fazer foi dar-lhes o espaço, arranjar-lhes o computador para que pudessem estar na palestra do programa, garantir a impressora 3D e dar-lhes ferramentas de programação. Bom, os estudantes são os responsáveis por garantir que esses meios se tornaram realidade.”
Como resultado da participação em convocatórias como Solve for Tomorrow, Echeverri observa que a escola começou a trabalhar com aprendizagem baseada em projetos há aproximadamente três anos. “Para o Solve for Tomorrow em 2023 concorremos a quase 50 propostas, das quais avançamos três projetos para a semifinal e dois ficaram entre os cinco projetos destacados. Foi um reconhecimento muito importante para nós”, declara.
“Os projetos fizeram com que os estudantes desta escola tivessem mais vontade de estudar. Eles não aprendem só pela nota, mas para poder aplicar o aprendizado no contexto do dia a dia, que acredito ser o sentido da educação”, finaliza.