Um dispositivo que detecta os movimentos do rosto de uma pessoa para selecionar palavras e se comunicar com as demais e que, ao mesmo tempo, traduz vozes em palavras pode parecer uma invenção muito distante da vida cotidiana. Mas esta foi a criação de duas estudantes do ensino médio da cidade de Coquimbo, no Chile. Elas começaram apenas com uma ideia e nunca haviam trabalhado com esse tipo de tecnologia antes. Mas com muita dedicação se tornaram finalistas do Solve for Tomorrow 2022, no país.
A pequena equipe do projeto chamada “Talk” é inteiramente feminina. As estudantes tinham 17 e 18 anos e frequentavam o quarto ano do ensino secundário, último ano da escolaridade obrigatória. Já a professora mediadora foi Carolina Ríos, que leciona Matemática e atualmente é líder do Programa de Inovação e Empreendedorismo da escola, onde os alunos são incentivados a pensar em soluções para problemas reais. “Desde que me deram o programa, estudei mais sobre outros temas e caminhos, saindo da minha zona de conforto”, diz a professora.
Enquanto realizavam as atividades do programa, a aluna Mia Santelices participou de uma oficina de língua de sinais. “E foi aí que esse mundo se abriu para ela; vendo que havia pessoas que não conseguiam se comunicar”, relatou Ríos. Por meio de pesquisas na web, as estudantes confirmaram que quase 360 milhões de pessoas no mundo sofrem de perda auditiva, segundo a Organização Mundial da Saúde. E apenas 70 milhões usam linguagem de sinais. Então: o que acontece com o resto?
Elas observaram que muitas pessoas recorrem à leitura labial para compreender a fala. Mas na época do projeto (2022), vivia-se a pandemia de Covid-19 e devido ao uso de máscaras esse tipo de comunicação era ainda mais difícil.
As referências mostraram o caminho, mas fizeram adaptações
Inicialmente, pensaram em desenvolver um aplicativo móvel, mas logo chegaram à conclusão de que um dispositivo independente seria o melhor. Com o andamento da pesquisa, descobriram uma faixa para a cabeça, com tecnologia Arduino, que permite a uma pessoa surda se comunicar observando uma tela, onde começam a aparecer frases pré-definidas. Elas também se inspiraram no mecanismo que o cientista Stephen Hawking usava para se comunicar. “Foram aprimorando essa primeira ideia, para torná-la mais confortável, por tentativa e erro”, diz a educadora. “Elas estavam trocando peças para deixar o protótipo mais leve; como usar um carregador menor”, acrescenta.
Por fim, o protótipo continuou a funcionar com robótica Arduino e um módulo de reconhecimento de voz. Sua interface funciona nos dois sentidos: a pessoa com deficiência auditiva pode se expressar por meio do movimento das maçãs do rosto. À direita, você monitora um cursor a partir de uma tela OLED (que possui luzes que usam pixels autoemitidos para formar imagens). Com a mão esquerda, as palavras são selecionadas para formar frases. A outra pessoa agora pode falar e tudo o que é dito é transcrito em lentes transparentes para que o destinatário possa entender.
Além disso, preocuparam-se com a sustentabilidade da criação e escolheram polímeros reciclados para o aparelho. Os sensores e o display também podem ser reutilizados fora do produto.
O teste na escola foi a última etapa
Antes de viajarem para o evento final do Samsung Solve for Tomorrow em Santiago, elas conseguiram testar o protótipo com um aluno com deficiência auditiva na escola. “O estudante deu suas impressões. Gostou do protótipo, mas disse que poderia ser mais leve. Foi uma sugestão para elas anotarem de melhoria futura”, explica a professora.
Depois, a dupla de “Talk” percorreu todas as turmas da escola apresentando o projeto. “Foi uma etapa muito interessante porque as meninas estavam muito motivadas e, à medida que avançavam a cada turma, aprenderam a melhorar seu pitch para a final do programa”, destaca Ríos.
Ficou claro que elas manusearam bem o produto, o que foi outro fator de confiança. A dedicação ao projeto ao longo do ano trouxe essa segurança, observa a professora Carolina Ríos.
Parcerias e investigação autônoma compensam lacunas de conhecimento
Segundo a professora, embora a escola já trabalhasse com foco em empreendedorismo e inovação e oferecesse grande apoio ao projeto, não havia longa experiência com tecnologia; nem mesmo aulas de robótica. “Elas tiveram que ser autodidatas, porque não era um assunto que ensinávamos na escola”, diz ela.
Mas as estudantes tiveram ajuda de muitos adultos; como suas famílias e mentores do Solve for Tomorrow. “São alunas muito dedicadas e ao vê-las tão motivadas, os adultos colaboraram, muitas vezes preparando-se para poder ajudar um pouco mais”, lembra.
A parceria com a Universidade de La Serena foi fundamental. Fizeram impressões 3D de peças do aparelho, já que a escola não tinha esse equipamento e ajudaram no desenho do protótipo, por exemplo.
A professora acredita que a experiência das meninas é hoje um modelo para alunos mais novos da escola. “Elas abriram o caminho. Sinto que essas iniciativas fazem os jovens crescerem em suas habilidades interpessoais e conhecimentos”, ressalta.