Os jogos digitais podem ser uma valiosa ferramenta de aprendizagem para pessoas com diagnóstico de Síndrome de Down, Asperger, Autismo e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, entre outros. E foi o que confirmou a equipe da Unidade Educacional Fiscomisional Calasanz, no Equador, uma das finalistas da 10ª edição do Solve for Tomorrow – região América Central e Caribe, que reúne 11 países: Barbados, Belize, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá, República Dominicana e Venezuela.
O grupo de cinco adolescentes de 15 e 16 anos foi selecionado pelo destaque no desenvolvimento dos jogos e disponibilidade de tempo. Junto com o professor mediador Angel Songor, eles criaram os jogos do início ao fim utilizando recursos de programação gratuitos e os testaram com aproximadamente 10 alunos com dificuldades de aprendizagem. A equipe está cursando o primeiro ano do ensino médio, etapa que, no Equador, inclui três anos de escolaridade obrigatória após o ensino básico geral. Os alunos completam três níveis de formação geral e de preparação interdisciplinar e especializada, o que lhes permite acessar o ensino superior e o mundo do trabalho e desenvolver o espírito empreendedor.
O professor ministra as disciplinas de computação, programação e desenvolvimento do pensamento computacional. Em suas aulas, os jovens já tinham o exercício de fazer jogos utilizando o Scratch, uma linguagem de programação gratuita e bastante conhecida, por possuir uma comunidade online para produzir e compartilhar histórias, jogos e animações interativas. A partir daquele momento, o objetivo foi fazer criações baseadas em jogos tradicionais latino-americanos, como a “galinha cega”, que originalmente se brinca com uma pessoa escolhida para ser a “galinha” e, vendada, ela sai em busca de pegar um jogador. Então, tem que reconhecer sua “presa” apenas através do toque. Se descobrir a sua identidade, essa pessoa será a nova “galinha cega”.
Na versão digital criada pelos alunos, o jogador utiliza as teclas do teclado (esquerda, direita, para cima e para baixo) para guiar o personagem até o alvo. O objetivo educacional neste caso é enriquecer o vocabulário e aprender sobre direções. O professor lembra que os alunos propuseram que os jogos pudessem ser utilizados com alunos mais novos ou com dificuldades de aprendizagem.
“A galinha cega” foi uma das brincadeiras apresentadas a Joaquín, um estudante de 17 anos com Síndrome de Down. Os resultados foram muito positivos. “Ele estava aprendendo a diferenciar direita e esquerda, mas com um formato escrito, o que era complexo para ele. Quando o apresentamos ao jogo, sua percepção mudou automaticamente”, diz Songor.
Além de ajudar os alunos, o uso desse recurso apoia o trabalho dos professores. “Na realidade, o regime educacional do Equador visa incluir os alunos, independentemente de sua condição, na sala de aula. Ou seja, não excluí-los. No entanto, isso é um grande desafio, pois é difícil para o professor lidar, ao mesmo tempo, com o grupo regular e com os alunos com dificuldades de aprendizagem”, explica. Dessa forma, os jogos reduzem as disparidades em menos tempo.
Para desenvolver os jogos, a equipe contou com o importante apoio do Departamento de Orientação Estudantil (DECE) da escola, órgão responsável pelo atendimento integral aos alunos, além de prestar apoio e oferecer acompanhamento psicológico, psicoeducacional, emocional e social. “A mãe do Joaquin também nos ajudou muito. Ela nos contou mais ou menos as avaliações que já teve em outras instituições e, com base no aprendizado do estudante, verificamos como poderíamos melhorar”, diz Songor. Os professores do ensino básico geral também foram aliados, partilhando a sua experiência de trabalhar com uma linguagem mais simplificada.
Ao final, eles ficaram com um acervo de aproximadamente 18 jogos, também utilizando realidade aumentada e inteligência artificial para aperfeiçoar a jogabilidade. Em um deles, por exemplo, o objetivo é que o gato alcance o mouse, e o jogador consiga o mover com as próprias mãos na frente da câmera do seu dispositivo. Em seguida, decidiram criar um site para disponibilizar esses recursos gratuitamente. “À medida que avançamos no projeto, os mentores do Solve for Tomorrow nos deram essas estratégias para melhorar”, destaca.
Conhecimento compartilhado além dos muros da escola
Qualquer pessoa pode acessar e jogar em jtdsinbarreras.squarespace.com. Na página, é possível filtrar por perfil dos alunos (Síndrome de Down, Autismo, Asperger e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). Além disso, há informações para pais e professores sobre como utilizar as ferramentas e um espaço para eles entrarem em contato com a equipe e darem sugestões. Agora, o próximo objetivo é carregar este domínio na página institucional da escola para que o projeto continue a funcionar a partir deste setor. “Propomos assim para que possa ser compartilhado e feito em larga escala; e para que outras escolas possam aproveitar essa experiência, tomá-la como exemplo e desenvolver seus próprios jogos”, afirma o professor.
Tenho visto muita confiança e autoestima entre os alunos. Já se percebe uma atitude de encarar a vida e os desafios. Nas aulas, são dados exercícios complicados e ninguém se limita a realizá-los. Vejo que isso influenciou eles a pensarem que não há limites e que querem ir mais longe, observa o professor.
Segundo Songor, os alunos já pensam em tentar novamente o prêmio na próxima edição. “Somos muito gratos não só aos mentores desta edição, mas também aos da edição anterior. Eles sempre se preocuparam e nos deram conselhos que fizeram a diferença”, afirma.