A diversidade é um valor que pode fazer toda a diferença na hora de criar soluções criativas para problemas coletivos. Jovens estudantes com personalidades diversas se uniram para abordar o problema da escassez de gás na comunidade de Apanã, em La Paz, Bolívia. Para isso, propuseram a criação de um biodigestor que transforma resíduos orgânicos de plantações e pecuária em biogás, água de irrigação e fertilizante, gerando recursos sustentáveis e evitando o desperdício.
O biodigestor da equipe Biotransformadores, vencedora do programa Solve for Tomorrow 2024 na Bolívia, foi mediado pela professora Liliam Rocio Coronel Botello, da U.E (Unidade Educativa) Reverendo Padre Walter Strub. Ela lançou uma chamada aberta para criar um projeto STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática) com estudantes do ensino médio e fundamental, de 14 e 15 anos, período que na Bolívia tem um foco humanístico e técnico. Ela ficou surpresa quando três jovens, que não eram tão ativos nas aulas, concordaram em participar.
Eram estudantes com mais dificuldades de aprendizagem e que não encontravam muito espaço para se expressar, mas que precisavam apenas de uma oportunidade para mostrar suas diversas habilidades. “Acho que isso (o projeto) foi um catalisador para que eles realmente entendessem a importância do estudo e do conhecimento”, relata Coronel.
O grupo era formado por jovens com personalidades distintas: tímidos, extrovertidos, alegres, sonhadores e resilientes. O que os unia era o desejo de trabalhar em STEM pela primeira vez, usando os fundamentos da ciência para resolver um problema que afetava diretamente as comunidades onde viviam.
Utilizando uma metodologia de aprendizagem baseada em projetos, a professora mentora e a equipe escolheram o tema com base em notícias que anunciavam a diminuição das reservas de petróleo e gás no país, causando racionamentos e afetando diretamente comunidades onde os estudantes moravam. O grupo também compartilhou a ideia de pesquisar o lixo como matéria-prima para a produção de biogás. Assim, nasceu a ideia de criar um biodigestor feito de materiais simples e baratos.

Há muitas maneiras de construir um biodigestor: ele geralmente consiste em um recipiente, como um tambor de plástico ou tanque de água, onde os resíduos hermeticamente fechados passam por um processo de decomposição. Um tubo transporta o biogás. Outro tubo transporta o líquido escuro e pegajoso, que costuma ser usado como fertilizante ou água de irrigação. A mágica dentro do recipiente é feita por bactérias anaeróbicas, microrganismos capazes de sobreviver e se multiplicar em ambientes sem oxigênio.
Um biodigestor feito de resíduos, criatividade e erros
A equipe iniciou uma extensa pesquisa bibliográfica para construir o protótipo do biodigestor. As meninas ficaram responsáveis pela pesquisa teórica, como os tipos ideais de bactérias e resíduos. O único menino do grupo ficou responsável por pesquisar os materiais ideais para a montagem do biodigestor. Como a equipe tinha muitas tarefas escolares durante o dia, eles se reuniam à noite em reuniões virtuais para apresentar suas descobertas.
Foi nesse pequeno, mas determinado grupo, que surgiu a oportunidade de coletar lixo. Uma das estudantes mora em Apaña, uma comunidade rural perto de La Paz, e descobriu que havia uma grande quantidade de resíduos desperdiçados de plantações, gado e porcos. Ela também explicou que o bairro já sofria com a falta de gás e que os caminhões que costumavam fazer as entregas vinham apenas uma vez por mês.
Com o território e as matérias-primas escolhidos, chegou a hora de começar a montar o primeiro protótipo. “Não precisamos introduzir nenhuma substância adicional, apenas os restos de lixo orgânico. Não é qualquer lixo, e não se pode usar cascas de ovo, ossos ou cascas de cebola, por exemplo, porque podem matar as bactérias que trabalham dentro do biodigestor. E esse é o projeto. Simples assim”, explica Coronel.
Mas construir um biodigestor funcional não foi fácil. No primeiro protótipo, construído com um pequeno tanque de plástico, a vedação não estava completa e os resíduos podres exalavam um odor desagradável. Na segunda tentativa, optou-se por um tambor, mas este tinha apenas uma saída na tampa original, o que tornou a construção dos tubos complexa. O protótipo também não funcionou como os estudantes planejavam.
Uma grande frustração tomou conta da equipe, mas a professora os encorajou a continuar a pesquisa e a não desistir do projeto. Quando o problema parecia sem solução e um dos estudantes estava pensando em desistir, surgiu a oportunidade de apresentar o biodigestor ao Departamento de Química da Universidade Católica Boliviana de La Paz.
Com a ajuda de um engenheiro, o terceiro protótipo foi feito a partir de um tambor com uma tampa maior para acomodar as torneiras e saídas. O terceiro protótipo foi um sucesso alcançado através de aprendizado e erro.
Uma biotransformação nos próprios estudantes
“Contra todas as probabilidades, continuamos”, lembra a professora mediadora. Depois de erros, surpresas desagradáveis e quase abandono, o protótipo foi o vencedor do Solve for Tomorrow Bolívia 2024. A mudança nos estudantes foi impressionante. “Isso os ajudou a amadurecer muito, e é isso que me deixa mais feliz. Um dos estudantes, por exemplo, tinha um problema de saúde. Agora está diferente; conversa com os colegas, trabalha e é a pessoa mais feliz porque sempre está sorrindo”
A comunidade escolar apoiou o trabalho da equipe de Biotransformadores e até promoveu uma competição saudável entre eles e uma equipe de física que também participou do programa Solve for Tomorrow Bolívia. “Quando chegamos à escola com nossos prêmios, a televisão que ganhamos para a unidade, todos os estudantes estavam nos esperando”, lembra Coronel.

As mudanças internas foram extraordinárias. Os três estudantes melhoraram suas notas em praticamente todas as disciplinas, demonstraram mais interesse nas aulas e estavam ansiosos para participar de outras atividades extracurriculares. A determinação da equipe inspirou outros estudantes a iniciar projetos STEM para resolver problemas que afetam suas comunidades. “Ganhamos experiência, adquirimos conhecimento. Ganhamos muito com o projeto. Tudo melhora se incentivamos os estudantes. Trabalhar com jovens é uma experiência maravilhosa”, conclui Coronel.