O combate à desinformação e às fake news é um desafio global. Só no Chile, 5 milhões de pessoas compartilham notícias sem verificar se são verdadeiras, segundo um estudo da Universidade do Chile publicado em 2021. Diante desse grave cenário, um grupo de estudantes se perguntou: o que é possível fazer para ajudar as pessoas a se informarem, e a compartilhar informações de forma segura na internet?
Em resposta a essa pergunta, nasceu o projeto Fake Out, vencedor do Solve for Tomorrow 2024 no Chile. Três jovens do terceiro médio (no Chile, o penúltimo ano do ensino técnico profissional) do Instituto Politécnico Bicentenário Juan Terrier Daily, na cidade de Maule, criaram a aplicação VeriVerify. É uma ferramenta simples que aponta com cores se uma notícia da internet é verdadeira ou não, fazendo uso consciente de inteligência artificial (AI). O projeto foi mediado pelo professor Rogers Méndez, que também coordenou o projeto vencedor na edição 2022 do programa Solve for Tomorrow.
Méndez é especialista em Design Thinking, metodologia ativa que é base da Aprendizagem Baseada em Projetos (PBL), adotada pelas disciplinas do Instituto. “É uma metodologia que prevê a resolução de problemas de forma criativa e atraente, porque pretende que a partir de uma problemática comum dos interesses da equipe, abarque-se também outras pessoas e realidades, para terminar em um protótipo, um produto ou um serviço que resolva essa problemática”, explica o professor.
Embora seja um problema de ordem global, os alunos também sentiam as consequências da desinformação dentro de sua própria realidade. “Havia muitas discussões e problemas de convivência escolar, produtos da circulação de notícias falsas. Além disso, em seus contextos familiares, puderam perceber que isso também afetava os adultos, principalmente os mais velhos”, complementa o professor.
Na fase de definição do projeto, o grupo de estudantes fez um processo de pesquisa profundo e em várias frentes, gerando um relatório completo sobre como o problema da desinformação afeta as pessoas no Chile e na América Latina. Parte da pesquisa também foi baseada em entrevistas com jornalistas e especialistas em comunicação, para entender como os veículos de comunicação estão enfrentando a crise. Além disso, eles fizeram entrevistas com a comunidade, tentando compreender o que leva alguém a compartilhar uma notícia sem verificá-la.
A pesquisa também foi orientada com base nos Objetivos de Desenvolvimento Digital (ODD), política macro do Chile para a transformação digital, cujo princípio é a redução da exclusão digital, utilizando a educação como ferramenta para um uso mais consciente e seguro das redes. Assim, o grupo concluiu que a melhor maneira era criar uma espécie de programa ou aplicativo que permitisse fazer uma distinção nítida entre as notícias verdadeiras e as falsas, e disponibilizar esse conhecimento para todos.

Ideias possíveis, com os recursos disponíveis
De acordo com a experiência do professor Méndez, um dos grandes problemas da fase de definição de qualquer projeto STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) é o desejo de prototipar algo grande, que nunca foi feito antes. O grupo de Fake Out fez uma intensa reflexão baseada na pesquisa do que já existia, e no que era possível fazer contando com os conhecimentos do curso de programação oferecido pelo Instituto.
“Todas as ideias tinham a ver com tecnologia”, lembra Méndez. “Havia uma ideia de criar uma comunidade digital, onde as pessoas pudessem livremente postar notícias e discutir sua veracidade; um aplicativo de realidade aumentada; uma ferramenta de educação digital e também um aplicativo próprio para os jornalistas.”
Depois de muito sonhar, o grupo decidiu manter os pés no chão. Nasceu o VeriVerify, aplicativo que utiliza a inteligência artificial para identificar a veracidade de um link. Com base em dados existentes, o aplicativo tem um medidor: se a notícia é falsa, fica vermelha; se for verdadeira, verde. O projeto foi desenvolvido em ferramentas como React, JavaScript e Firebase, este último que funciona como um armazém de um grande número de dados para o robô que faz a distinção. Tudo foi sem custo, com conhecimentos pertencentes ao currículo escolar.
Para alimentar o banco de dados, os alunos treinaram a inteligência artificial, preenchendo-o com notícias oficiais, fontes de páginas confiáveis de jornais e páginas de mídia oficial do governo. Para notícias falsas, colocaram artigos do Facebook e de outras redes sociais. O robô de informações começou a identificar os padrões que possibilitavam a distinção.

Um projeto de comunicação com jovens tímidos
Para testar o VeriVerify, a comunidade escolar se tornou um público-alvo em potencial. Mostrou assim toda a capacidade de articulação de uma instituição que tem como prática organizar comunidades de aprendizagem com outras que também fazem parte da Fundação Educacional Comeduc. O projeto foi apresentado dentro do curso de programação, e depois com os alunos e professores de outras disciplinas, fazendo a audiência crescer. Também foi apresentado a especialistas em programação de outras instituições que fazem parte da Fundação.
“Em cada teste, o feedback melhora. Tivemos retorno principalmente em questões estéticas, porque para se diferenciar, o aplicativo não só tem que funcionar, tem que ser atraente. Assim, todo esse feedback recebido de seus próprios colegas, professores especializados e especialistas na área, permitiu-lhes ver como o projeto ganhou muita força”, comenta o professor.
No entanto, na hora de fazer pitches e apresentações, se revelou o verdadeiro desafio: a timidez dos alunos. Os jovens tinham muitas habilidades, mas falar em público não era uma delas. Precisamente por isso Méndez os escolheu: tinham uma ideia ótima e precisavam apenas de uma oportunidade para lapidar sua apresentação. “Às vezes há ideias tão poderosas, que surgem de pessoas que não têm a capacidade de expressá-las, ou não lhes é dada a oportunidade de fazê-lo, e se perdem só porque essa lacuna está muito marcada”.
Então, o que foi trabalhado não foram as habilidades técnicas, que o grupo tinha de sobra, mas as competências socioemocionais, que Méndez poliu com trabalho motivacional e apoio. Os jovens, que inicialmente eram tão tímidos, fizeram tantos treinamentos que até foram capazes de produzir um vídeo divertido, onde explicam de forma clara sobre o que é o aplicativo, além de fazer apresentações para a Fundação Educacional Comeduc.
A premiação no programa Solve for Tomorrow e o reconhecimento de seus pares foi uma mudança decisiva no destino dos jovens. “Hoje estão muito mais participativos, não só em atividades que têm a ver com inovação, mas também em campanhas de convivência escolar, em que eles são porta-vozes. Eles continuam liderando processos de robótica e inovação. Agora são eles que comandam as oficinas para a rede. Então, tomaram esse papel, se empoderaram e agora eles estão sendo mais protagonistas de seu processo. Então é maravilhoso!”, conclui Méndez.
“Às vezes há ideias tão poderosas que surgem de pessoas que não têm a capacidade de expressá-las, ou não lhes é dada a oportunidade de fazê-lo, se perdem só porque essa lacuna está muito marcada”.