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#Sociedadejusta

Do som ao toque: projeto transforma a experiência musical para pessoas com deficiência auditiva

Protótipo transforma som em ondas vibratórias, possibilitando que pessoas surdas e entusiastas sonoros consigam sentir a música e aprender a tocar instrumentos de percussão.

Professor(a)

Foto de Rodrigo Henríquez
Rodrigo Henríquez

Escolas

Liceu Manuel Bulnes

Nome do projeto

NeuroBeethoven

Áreas STEM

Engenharia, Tecnologia

Outras áreas de conhecimento

Arte

Já pensou como pessoas com deficiência criam e aproveitam a música e outras formas de arte? As manifestações artísticas dependem de experiências sensoriais, e as diferentes formas de ser e estar no mundo podem se tornar soluções empáticas e não um obstáculo. Foi pensando nisso que jovens de uma escola no Chile se perguntaram: como fazer do aprendizado da música algo acessível para quem não pode ouvir?

O segredo está nas vibrações, descobriu o grupo NeuroBeethoven, finalista do programa Solve for Tomorrow Chile em 2024. Os alunos desenvolveram um dispositivo que converte ondas sonoras em vibrações, permitindo sentir a música na pele. O projeto não só inclui pessoas surdas, mas também se tornou uma ferramenta de estudo do ritmo para instrumentistas e outras pessoas que amam o universo musical. 

“Foi um projeto interdisciplinar dentro da educação”, conta com orgulho Rodrigo Henríquez, professor mediador da iniciativa e docente de matemática. Não só a interdisciplinaridade se destaca na mistura de conhecimentos de tecnologia, música e pedagogia, mas também na própria formação do grupo: os alunos são de diferentes idades, de todos os anos do ensino médio do Liceu Manuel Bulnes, localizado na cidade de Bulnes.

A cultura STEM na escola era rara antes do projeto NeuroBeethoven. Não existia a prática da Aprendizagem Baseada em Projetos ou o uso da tecnologia como ferramenta de aprendizado. Henríquez e um grupo de professores começaram a implementação de projetos do tipo com sucesso, mas também lidando com falta de materiais e espaços adequados. 

Para o projeto NeuroBeethoven, a primeira pergunta aos alunos foi: olhando sua comunidade, seus problemas e particularidades, o que os inspira a realizar um projeto?

“Um grupo de estudantes pensou em sair e perguntar sobre os problemas na comunidade. Há um professor de música que lhes contou que ele já teve uma estudante surda. Aí, os jovens começaram a ver como eles poderiam, usando a tecnologia, trabalhar com alguém surdo e integrá-lo na aula de música. Foi este o grande desafio.”

Jovens do projeto “NeuroBeethoven” demonstram como o protótipo funciona.

Diferentes maneiras de sentir a música

O projeto teve um começo ambicioso. Os alunos queriam fazer um protótipo que pudesse devolver o som para as pessoas surdas. Foi importante reconhecer a limitação da ideia, porque foi justamente na pesquisa sobre as possibilidades para o dispositivo que o grupo percebeu que as vibrações poderiam ser o segredo.

“Um dos alunos disse que já tinha visto alguns coletes vibratórios usados em concertos para que as pessoas surdas pudessem viver a experiência. E assim começou a surgir a ideia de usar as vibrações para, de alguma forma, integrar as pessoas surdas dentro da música. Dentro da ideação estava o desejo de variar a frequência, variar o ritmo”, lembra o professor.

Ainda modulando as possibilidades, por questão de tempo e recursos, os alunos optaram por não ficar presos nas variações de frequência, e sim na parte rítmica. Justamente porque queriam possibilitar a aprendizagem e a apreciação musical, pensaram nas percussões como excelentes instrumentos para viabilizar o ensino da música, e fazer com que uma pessoa surda pudesse aprender a tocar bateria, por exemplo. 

Mas não foi fácil encontrar pessoas surdas para fazer a pesquisa e testes posteriores, como explica o professor: “Foi super difícil contatar organizações que trabalham com pessoas surdas, elas são muito desconfiadas. Os alunos também estavam com vergonha, acho que foi um pouco chocante, no início, se comunicar com as pessoas surdas. Tentamos, mas aprender uma língua leva anos, não é uma coisa de uma semana para outra.”

Embora desafiadoras, as conversas consolidaram a aposta nas vibrações como a chave do projeto. De celulares velhos, os alunos tiraram os motores para ligar a pilhas e depois colocá-las em tecidos, para entender como funcionavam os pulsos na pele. Comprovada a sua capacidade, construíram o primeiro protótipo com motores ligados a microcontroladores como Arduino, encerrados numa caixinha de impressora velha dentro de uma braçadeira de medir pressão. Cabos conectam o dispositivo à bateria.

A ideia é que a pessoa use a braçadeira para perceber a variação rítmica na aprendizagem da música enquanto toca nos diferentes tambores e pratos da bateria. O protótipo final, após testes e melhorias, é composto por: quatro motores de celular, uma placa Raspberry Pi, cabos de conexão, placa de teste, LED, braçadeira para o braço do usuário e uma tela HDMI.

Testes musicais

Os desafios não foram poucos, porque a ideia de misturar música e robótica exigia mais recursos e tempo do que estava disponível. Mas o comprometimento dos alunos e do grupo de professores tornou possível realizar os testes do protótipo, que foi melhorando a partir dos mais diversos públicos que o experimentaram: músicos, pessoas que nunca tocaram um instrumento e também pessoas surdas.

“A primeira coisa que notamos é que as que tocam bateria tinham um pouco de dificuldade no início para encontrar o ritmo, mas uma vez que se encontraram, elas seguiram por conta própria. O interessante são as pessoas que não tocam bateria. Percebemos que há um grupo que aprendeu a tocar rápido, enquanto para outros grupos foi custoso. Há um dado interessante, então, que são as pessoas que têm a facilidade de pegar o ritmo e seguir o ritmo. Há pessoas que se sentavam na bateria e em 5 minutos estavam tocando a bateria e nunca tinham feito isso.”

O resultado com as pessoas surdas também revelou que mesmo dentro da deficiência há possibilidade de diferentes interpretações das vibrações. Uma das pessoas teve mais dificuldade em identificar variações rítmicas e outra menos. Mas em geral houve facilidade, o que era importante para o projeto. Existe a possibilidade de que as pessoas surdas sejam mais sensíveis às vibrações e possam tocar instrumentos.

Depois de chegar como finalistas do programa Solve for Tomorrow, a ideia é aproveitar o tempo e os alunos que ainda estão na rota de aprendizagem para melhorar o protótipo: esconder os cabos usando Bluetooth, adicionar frequências e outras nuances musicais ao protótipo, e entender como conectá-los a outros instrumentos. 

As mudanças na vida dos estudantes foram radicais, de acordo com o professor: “Criamos um apetite nos estudantes, expandindo sua visão de futuro, eles querem estudar tecnologia em Harvard. Todos os estudantes que passaram por essa iniciativa terminaram na universidade, estudando direito, medicina e ciências.”

Finalmente, para Henríquez, o verdadeiro poder do projeto é a possibilidade de fazer uma fusão de disciplinas: “É que de alguma forma temos que tentar trabalhar de maneira interdisciplinar dentro da educação. Ainda estamos com uma hora de matemática, depois de história, depois de música. Mas talvez seja muito mais enriquecedor que os professores de história, matemática e música encontrem uma maneira de fazer uma aula todos juntos.”

Alguns dos componentes do protótipo.

Foco na prática!

Veja como foi possível criar um protótipo inclusivo misturando conhecimentos de pedagogia, tecnologia e música:

Empatia

Nas conversas iniciais do projeto, os alunos ficaram atentos aos problemas ao seu redor. Um professor de música da escola contou a um dos alunos que, no passado, teve uma estudante surda e não sabia como proporcionar uma experiência musical rica para uma pessoa com deficiência auditiva. Isso chamou a atenção do grupo.

Definição

A fase de definição começou ambiciosa. Os jovens queriam fazer um dispositivo que pudesse devolver a audição às pessoas surdas. Em vez de podar os sonhos dos alunos, o professor mediador os ajudou a entender como seria possível fazer algo mais simples, e ainda assim inovador. Começaram a pensar em como tornar possível a experiência de aprender música para pessoas com deficiência auditiva.

Ideação

As vibrações dos celulares foram a inspiração para criar um dispositivo que pudesse transmitir o ritmo e a frequência musical para que as pessoas surdas aprendessem a tocar instrumentos. Instrumentos de percussão como a bateria, por sua força vibratória, foram escolhidos para dar seguimento ao projeto.

Protótipo

Vários materiais foram usados para criar um protótipo criativo: peças de celulares velhos, partes de impressoras antigas e também tiras de medidores de pressão foram montados para formar um dispositivo que conecta o corpo ao instrumento de percussão. Microcontroladores, como Arduino e Raspberry PI, foram usados, fazendo com que os alunos enfrentassem o desafio de aprender programação.

Teste

Os testes foram feitos com pessoas surdas e não surdas, e foi uma etapa cheia de surpresas: as pessoas não surdas tiveram experiências diferentes, algumas foram capazes de aprender o ritmo e outras não. As pessoas surdas, que participaram da fase de definição, também tiveram reações próprias, o que mostrou a abrangência e diversidade do protótipo. A ideia agora é melhorar tanto a parte rítmica como o design do protótipo.

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