A economia do café é tão presente no município de Franca, no sudeste brasileiro, que motivou a criação de uma disciplina dedicada a aprofundar os conhecimentos sobre essa cadeia produtiva. Chamada “Vai um café aí?, a matéria foi o ponto de partida para três alunas terem a ideia de filtrar, ou seja, fazer a remoção de agrotóxicos do cafezal usando outro fruto: a macaúba.
O projeto, intitulado “Macafiltro: uso da macaúba para remoção de agrotóxicos de água contaminada”, foi finalista do Solve for Tomorrow Brasil, em 2022. No início, a equipe pesquisou sobre os possíveis impactos negativos dos cafezais e, junto aos professores mediadores Henrique Pereira e Camila Nunes, descobriu que os agrotóxicos podem contaminar a água.
O principal químico identificado pela equipe foi o glifosato, utilizado para matar as ervas daninhas que crescem com o café. Isso pode causar problemas à saúde como defasagem cognitiva e câncer. “Esse agrotóxico é jogado nas lavouras e de lá pode se infiltrar na terra e cair no lençol freático ou escorrer superficialmente e cair nos rios. Como essa água é encanada pelos próprios moradores para abastecer as casas, surgiu a ideia de fazer um filtro que fosse acoplado ao encanamento antes que o produto químico chegue à caixa d’água”, explica Pereira, que é professor de Biologia e coordenador de Ciências da Natureza e Matemática na escola.
Para construir esse filtro, a equipe optou por produzir um carvão vegetal. Como matéria-prima, apostaram no fruto de uma palmeira chamada macaúba, também conhecida como coco-baboso, coco-de-espinho ou macajuba. A espécie é tão abundante na área rural de Franca que as sementes costumam estragar no chão. Desse modo, o projeto resolveria dois problemas em um só protótipo: a contaminação da água e o desperdício de macaúba.
A equipe não se propôs a produzir carvão ativado, que normalmente é utilizado para filtrar, porque demandaria processos químicos e industriais que não estavam ao alcance das estudantes. Por isso, a meta era produzir o carvão vegetal a partir do endocarpo de macaúba – ou seja, a parte rígida que protege a semente do fruto.
A primeira etapa do protótipo foi desenvolver um método para extrair essa parte do fruto e queimá-lo para se transformar em carvão vegetal. “Primeiro, quebramos o coquinho de macaúba com um martelo para tirar o endocarpo. Depois de muito esforço, descobrimos que, no próprio chão dos pastos, a polpa desse fruto se degradava rápido e sobrava só o endocarpo”, relembra o docente.
Experiência com erros e acertos
O recém-produzido carvão vegetal de macaúba foi triturado em um pilão caseiro para ficar mais fácil de caber no filtro. A ideia, em seguida, era colocar esse material dentro do cano de PVC acoplado às caixas d’água das casas da região, para servir como filtro e para remoção de agrotóxicos.
Agora, como fazer com que o próprio carvão não vá parar na água, depois de inserido na tubulação? As estudantes pensaram em usar pedaços de tule, um tecido leve em forma de rede, para funcionar como um crivo: impedindo o carvão, mas permitindo a passagem da água. Contudo, nos primeiros testes as camadas de tule se mostraram muito frágeis e romperam facilmente com a força da água. Em seguida, testaram telas de náilon, que são utilizadas em criadouros de peixe, o que também não funcionou. A equipe, então, descobriu uma forma diferente de usar o tule: encontraram um modelo mais resistente e deram três dobras no tecido para conseguir prender o carvão dentro do filtro. Finalmente, deu certo!
O público-alvo do nosso projeto é quem mora na zona rural, que muitas vezes não é o dono da plantação e sim o trabalhador. Por isso, a solução do filtro precisava ser de baixo custo, reforça o professor.
Testando a remoção de agrotóxicos
Os materiais custaram em torno de R$ 25, sem contar a mão de obra para colher e quebrar a macaúba. Mas o trabalho não acabou aí. “Depois de construir o protótipo, a gente precisava testar se era eficiente em reter o glifosato. Compramos a substância, mas a escola não tem recursos para o teste laboratorial. Só havia um laboratório para esse serviço na cidade, custava entre 400 e 500 reais e o resultado demorou a ficar pronto”, relembra.
O próprio professor arcou com o valor do teste e seguiu em frente. No entanto, essas análises foram inconclusivas, pois as máquinas são calibradas para a concentração que é permitida em legislação, de 500 microgramas por litro. “Isso é menos que um grânulo de areia em um litro de água, e a nossa amostra tinha uma colher de glifosato por litro. Foi aí que precisamos de ajuda externa para chegar em uma concentração que fosse possível testar nos laboratórios”, completa.
O professor Henrique Pereira, que na época tinha acabado de começar um curso de mestrado, pediu ajuda de um professor de nível superior em Química para calcular os parâmetros dos produtos. Assim, as estudantes conseguiram produzir amostras com a concentração mais adequada de glifosato e de nitrato para enviar a outro laboratório fora da cidade.
Os resultados deste novo teste variaram de acordo com as amostras. Os números mais próximos da realidade mostraram redução de 18% do nitrato e 6% do glifosato após a filtragem com carvão vegetal de macaúba.
Ciência que transforma vidas
O educador relata que trabalhar com projetos científicos para estudantes do ensino médio é mais desafiador, mas vale a pena. No caso do “Macafiltro”, o contato com a metodologia científica aumentou o rendimento escolar e o interesse da equipe pelos estudos. Atualmente, as três meninas que desenvolveram o projeto estão cursando faculdades na área que sonharam. Uma delas pegou gosto pela ciência e ingressou no curso de Engenharia Química, determinada a mudar o rumo da história de sua própria família por meio do conhecimento. “Essa estudante veio de uma realidade familiar muito difícil. Com o Solve for Tomorrow, pela primeira vez na vida, viu que a dedicação na escola poderia proporcionar coisas novas”, relata o professor.