O chamado “gás de cozinha” ou GLP é muito comum para preparar alimentos no Brasil. De acordo com o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás), 91% dos lares do país dependem desses botijões. No entanto, o preço médio de 13kg cresceu 44% nos últimos cinco anos, saindo de R$ 69 em janeiro de 2019 para R$ 100 no mesmo mês de 2024. Assistindo a uma reportagem sobre esse aumento, uma estudante teve a ideia de criar um método de fazer o gás durar mais tempo.
A inovação foi chamada de “Fogão Híbrido (FH01)” e foi finalista do Solve for Tomorrow Brasil, em 2022. A aluna se uniu a mais dois colegas, todos do 2º ano do Ensino Médio (penúltimo ano da escolarização obrigatória) da Escola Estadual Nossa Senhora de Nazaré. O objetivo era ajudar as famílias a terem economia sem recorrer a alternativas inseguras e poluentes, como queima de álcool e madeira. Isso porque o preço do gás pesa no orçamento das pessoas de baixa renda, que por vezes dependem de programas de assistência social do governo. Em média, esses auxílios são de R$ 686,10 mensais para cada família.
O aprendizado em robótica é um tópico muito incentivado nas redes estadual e municipal de ensino da cidade de Manacapuru, no Amazonas, norte do Brasil. Sendo assim, estudantes já têm o costume de desenvolver projetos e submeter a concursos e programas diversos. Quando a equipe de “Fogão Híbrido (FH01)” decidiu se inscrever no Solve for Tomorrow, procurou Galileu Pires, professor de Biologia, que também é formado em Engenharia Mecânica e foi o mediador do projeto, junto ao docente de Química, Alessandro Couto.
O primeiro passo foi estudar sobre o fogo com abordagens multidisciplinares, que envolveram Física, Química, Engenharia, Biologia e Ciências Sociais.
Mais do que um protótipo, os estudantes conseguiram criar algo de valor socioambiental e econômico. O projeto nasceu do zero, é inédito. E com isso eles também aprendem a acreditar neles mesmos. A capacidade que eles têm de criar é igual à dos estudantes da capital e de qualquer lugar do mundo, basta querer, declara o educador.
Experimentos comprovaram os resultados
Os estudantes juntaram um fogão comum a uma botija de oxigênio reaproveitada de um ar-condicionado, válvulas para segurança e controle na liberação dos gases, manômetro, alimentador de oxigênio e mangueiras. Já no primeiro teste, o equipamento que os estudantes montaram funcionou muito bem.
No maior queimador do fogão convencional, a água levava 10 minutos para chegar a 100°C, enquanto que na menor boca isso acontecia em 5 minutos. Outro teste foi com fritura de nuggets, que também reduziu50% do tempo de preparo , com a menor regulagem de gás. “Foi esperançoso para nós ver a possibilidade de uma família comprar uma botija de gás e dobrar o tempo de uso dela em casa. Ninguém imaginaria que um problema mostrado na televisão, no jornalismo, se transformaria em um projeto realmente funcional”, relembra o professor.
Para que um dia seja comercializado, o protótipo precisará ser construído em um processo industrial, com materiais próprios e uma bomba autônoma que forneça oxigênio constantemente. “Adaptamos um cilindro de oxigênio dentro da nossa realidade. Então, sempre que ele acabava no meio do experimento, os alunos precisavam ir até um posto de gasolina para recarregar nas máquinas de encher pneu. Isso é uma melhoria que pode ficar para a etapa industrial”, adianta o mediador.
Para alcançar resultados melhores, a equipe acrescentou ao protótipo um sistema de pré-aquecimento ao redor do queimador. Com ele, uma resistência elétrica aquece o ar do ambiente antes da chama à gás começar a queimar. Isso aumenta a eficiência e contribui para a economia de GLP.
Testes priorizam a segurança
Galileu Pires conta que a segurança foi uma prioridade na construção do protótipo. O professor acionou parceiros da Prefeitura e da gestão da escola que ajudaram a adquirir materiais produzidos dentro das normas técnicas brasileiras. Além disso, para evitar acidentes, os experimentos foram realizados aos sábados, com o mínimo de pessoas na sala. O Corpo de Bombeiros também foi avisado para dar suporte.
“O apoio da Prefeitura foi muito importante para que a gente comprasse os materiais. Fizemos o ofício de solicitação de compra, e eles logo marcaram um dia para entregar o recurso e cederam um veículo com motorista para nos levar em Manaus, comprar os materiais e trazê-los até a escola”, afirma o professor Galileu Pires.
Escola incentiva a abordagem STEM
Desde 2019, o colégio incentiva a aprendizagem baseada em projetos, a partir de uma participação do professor em outras edições do Solve for Tomorrow. Em 2019, inclusive, ele foi mediador de um dos projetos vencedores do Júri Popular. Segundo Pires, a mudança veio quando a escola permitiu o acesso mais livre dos alunos ao laboratório de Ciências. “Eu penso que, se o aluno não experimentar, ele nunca vai saber o prazer de se trabalhar com pesquisa. A escola tinha um laboratório, mas nem todos os professores tinham experiência em usá-lo como prática pedagógica com os alunos. No começo foi difícil, tive que defender a ideia de abrir o laboratório que estava intacto e deixar os alunos usarem ainda que os materiais se quebrem no processo. Eu comecei a repassar o conhecimento que tinha, e o laboratório deixou de ser um enfeite na escola”, diz. Com a cultura de aprender na prática, os alunos e professores começaram a testar juntos os conhecimentos teóricos e desenvolver mais soluções científicas para os problemas do dia a dia.
Hoje, os estudantes do projeto já entraram em faculdades e fazem estágio junto ao professor Galileu Pires, estimulando outros jovens a seguir o caminho da ciência. “Eles são como monitores, apoiam os estudantes para aprenderem direitinho, orientam os diários de bordo, plano de ação e pesquisa de campo. As pessoas já enxergam neles esse potencial e autoconfiança para trabalhar com ciência”, conta o docente.
A mentoria oferecida dentro do Solve for Tomorrow também ajudou a desenvolver novos olhares para a pesquisa, de acordo com o educador. “Com os mentores, os estudantes interagem com pessoas de alto grau de instrução, com outra mentalidade, conversando e dando ideias. Nós não somos donos da verdade, o que eu não enxergo outra pessoa pode enxergar e isso soma com o projeto. A mentoria foi muito importante para eles, ajudou demais”, destaca.