“Eu estudei em uma época em que a educação era um remédio amargo para me manter vivo. Com a Aprendizagem Baseada em Projetos, ensinar e aprender se torna um ato prazeroso, e é isso que mobiliza todas as minhas atividades como docente”. Foi com essa premissa que o professor Fábio Cano Carnielo, em 2017, deu início ao Patrulha 7 – Produzindo ciência, disciplina eletiva de projetos que reúne estudantes interessados em vivenciar na prática iniciativas de pesquisa, ensino e extensão em biologia.
Diariamente, durante o intervalo de almoço dos estudantes que estudam no Centro de Educação em Tempo Integral (CETI) Prof. Manuel Vicente Ferreira Lima, em Coari, no interior do Amazonas, mais de 60 jovens se reúnem no laboratório e no pátio do colégio para desenvolver projetos de ciências. “Ao longo do ano, eles aprendem a implementar o método científico a partir de perguntas de seus interesses. Como resultado, eles desenvolvem protótipos de soluções para problemáticas de interesse da comunidade, publicam trabalhos científicos e se tornam monitores das atividades regulares de ciências da escola”, resume Fábio, ressaltando o tripé ensino-pesquisa-extensão que mobiliza todas as ações do Patrulha.
E foi nesse contexto que um grupo de quatro jovens do 1º ano do Ensino Médio participantes da iniciativa decidiu se envolver com uma antiga questão do professor. “Eu trouxe para eles uma experiência pessoal. Há anos atrás, quando ministrava aulas em uma escola de comunidade ribeirinha, um colega e eu fomos contaminados com febre tifóide, consumindo água imprópria na escola”, relembra Fábio. Mobilizados pela problemática, que atinge não apenas comunidades mais afastadas, mas grandes centros urbanos que ainda carecem de saneamento adequado, os jovens decidiram recuperar um protótipo trabalhado em anos anteriores e que não havia produzido resultados esperados, desenvolvendo uma microestação de tratamento de água portátil.
Ao passo que começaram a pesquisar melhor a problemática, os alunos conseguiram entender os problemas presentes nas versões anteriores do protótipo que havia sido desenvolvido por outros grupos. “Eles foram compreendendo como e em que poderiam contribuir. A pergunta de como fazer a proposta funcionar organizou a linha de pesquisa e os passos a serem seguidos”, ressalta o docente.
Em linhas gerais, os jovens produziram uma estação de tratamento de água utilizando materiais disponíveis na comunidade. Usando galões de água de 20L e potes de margarina, criaram um sistema em três etapas:
- Na primeira, que funciona como decantador, um coagulador floculador é adicionado à água que chega, fazendo com que flocos pesados, como barro, sejam separados.
- A água então passa para um filtro com carvão ativado feito de cascas de banana disposto em seixos grossos e finos e areia grossa, eliminando metais pesados e protozoários.
- Por fim, na terceira etapa, a água fica num reservatório onde é adicionado uma gota de cloro por litro. Todo o processo é controlado por registros operados pelo usuário conforme a necessidade de abastecimento.
Para atestar a qualidade da água, os jovens realizaram vários testes laboratoriais, aferindo, por exemplo, Ph, presença de microrganismos, eletrólitos e metais pesados. “Em todos os momentos, de todos os projetos, busco que os jovens focalizem no método científico, testando suas hipóteses, comprovando e sistematizando os resultados”, relata Fábio.
Entre as preocupações do grupo, estava a questão do tamanho e peso do protótipo. “Desde o início, eles queriam realizar algo de fato implementável nas comunidades, focando no pilar de extensão do Patrulha 7”, indica o docente. Por isso, escolheram materiais de baixo custo, facilmente acessíveis e que fossem leves para o transporte. Como resultado, conseguiram montar a estrutura com menos de R$ 30, menos de seis dólares americanos. “Produzindo em escala, ainda conseguiríamos baratear o custo do equipamento”, complementa.
Ainda na questão da portabilidade, o posicionamento dos tambores foi outro desafio. Nas primeiras versões, trabalharam com uma estrutura horizontal, que ocupava muito espaço. “A partir das conversas do grupo, um dos nossos estudantes sistematizou nossas discussões em um desenho gráfico, e o coordenador de ciências da escola nos apoiou, cortando as madeiras para chegar à estrutura desejada”, aponta Fábio, destacando a importância do trabalho colaborativo ao longo do processo. “A iniciativa mobilizou a escola como um todo, o que é outra consequência muito positiva da abordagem por projetos”, destaca.
Novas etapas e muitas aprendizagens
A ideia deu tão certo que agora o grupo segue com um duplo desafio – o de incubar a proposta para atender de fato a população e fazer uma nova versão, com maior capacidade, para instalar em equipamentos públicos, como escolas. “Nós estamos com essa necessidade concreta hoje em nossa instituição e agora queremos avançar no desenho para atender um grande número de pessoas diariamente”, complementa o professor.
Para o docente, essa é uma grande conquista da abordagem STEM: tangibilizar o conhecimento acadêmico na realidade e vida cotidiana dos estudantes. “No livro de ciências estudamos ecossistemas a partir de modelos e representações, mas podemos ir ao jardim, ao campo de futebol, ao canteiro do lado da praça e observar de fato toda a natureza trabalhando: as formigas, as plantas, as gotas de orvalho, o sol. E essa observação e investigação ativa mobilizam e constroem as aprendizagens. O conhecimento se torna experiência prática e vice-versa”, fundamenta o docente.
O trabalho por projetos exige, porém, tempo do docente com os estudantes. Para Fábio, é necessário avançar em políticas públicas que permitam ao professor as condições para estruturar metodologias ativas em sala de aula, extrapolando os limites dos 50 minutos de atividades e livros didáticos. “É preciso tempo para planejar, mas principalmente para o professor estar de fato com seus estudantes”, avalia.
Para ele, porém, é preciso lutar pelas possibilidades da docência ideal, mas não se deixar imóvel pela falta de condições adequadas. “Entendo que é preciso sonhar e criar metas reais em cima desse sonho. Puxa! Somos de uma cidadezinha do interior do Amazonas e ficamos entre os dez maiores projetos do Brasil, mesmo sem as melhores estruturas física e financeira. Temos nossos alunos comprometidos e engajados com um sonho coletivo, e mostramos que é possível transformá-lo em realidade”, conclui.