Colômbia é o terceiro país da América Latina com maior número de línguas. São mais de 65 idiomas resultantes de comunidades tradicionais indígenas e afro-colombianas. A língua Kogui é uma delas: com 9 mil falantes, segundo o último censo do DANE 2005, está em perigo de desaparecer devido a fatores como o deslocamento. Foi justamente pensando em como colaborar para salvar a língua Kogui que um grupo de estudantes desenvolveu uma plataforma digital de preservação da gramática e da língua, num processo marcado pela empatia e valorização comunitária.
O projeto Koguinet foi finalista do programa Samsung Solve for Tomorrow Colômbia em 2024, mediado pelo professor Zamir Monteiro, da escola I.E.D John F. Kennedy, em Fundación, município do departamento de Magdalena. A opção de trabalhar a preservação das línguas por meio da tecnologia faz muito sentido numa instituição com uma ampla cultura STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) e aprendizagem baseada em projetos, como também uma participação recorrente em outras edições do Solve for Tomorrow.
Como nos conta o professor, o encontro entre a rica diversidade cultural de seu território com as possibilidades de STEM cria um ambiente propício para projetos diferenciados de aprendizagem. “Aqui (em Fundación) acolhemos grupos étnicos como o grupo palenquero, os grupos indígenas Arhuacos e Kogui; sendo esse último, o grupo com o qual trabalhamos particularmente. Então, esta diversidade cultural faz com que nosso território seja um foco de atenção para promover uma educação intercultural a partir da abordagem STEM, e as fases metodológicas do pensamento de design que combinam perfeitamente.”
A ideia para o Koguinet surgiu da interação de um dos alunos do grupo, que tinha conversas diárias com um indígena da etnia Kogui, com muita dificuldade para entender algumas expressões e se comunicar. Ao mesmo tempo, o indígena que o jovem conhecia reclamava sobre o processo de aculturação e como se estavam perdendo as histórias de sua comunidade. O jovem trouxe isto para seu professor e seus colegas para pensarem juntos o que poderiam fazer. Eles formaram um grupo com quatro alunos, três no décimo ano e um no último ano. No sistema educacional colombiano, o décimo primeiro ano é o último ano escolar.

Desafios empáticos para preservar uma língua
A ideia da plataforma interativa era simples: criar um espaço digital onde pessoas de diferentes idades possam fazer atividades multimídia para replicar a língua, relacionando imagens e palavras. A empatia voltou a ser chave para o processo: desde o início, os jovens decidiram que precisavam fazer não só uma investigação profunda da cultura kogui, sua população, seu território e seus desafios sociais, mas também que todo o projeto fosse construído em colaboração com a comunidade kogui, de forma horizontal e aberta, como é próprio da inteligência coletiva das comunidades tradicionais.
“Tivemos contato com um dos indígenas que basicamente nos acompanhou em quase todo o processo. Os estudantes tiveram que se colocar no lugar do outro; sentir como esse grupo étnico não é apreciado culturalmente por uma população que o ignora. Então, acredito que para passar às diferentes etapas, como a ideação e definição do desafio, é preciso querer realizar uma verdadeira mudança desde o coração, que se evidencie na prática e que não fique apenas no discurso, como normalmente acontece em outros projetos metodológicos”, compartilha o educador.
Para começar o desenho do site, trabalharam com conhecimentos e recursos já disponíveis na escola. A ferramenta escolhida foi o Scratch, linguagem de programação baseada em blocos. “Os alunos não precisavam saber programar códigos HTML. O software cria esses códigos. O grupo usou engrenagens que são como blocos, mas cada bloco gera uma instrução dentro do programa. Por exemplo, eles podem usar um bloco para aumentar o tamanho de uma imagem ou para dar a aparência de movimento”, explica Montero.
Ardora, WordPress e Wix foram os desenvolvedores complementares para moldar o site Koguinet.com. A ideia era fazer um site de navegação simples, onde “qualquer pessoa localizada em qualquer território do mundo possa acessar, conhecer sobre a cultura Kogui, sua língua, saberes e práticas culturais”.
Mas o principal desejo era que as pessoas da cultura Kogui também pudessem usar a plataforma com facilidade. Foi definido o primeiro desafio do projeto: Conseguir reunir um grande número de indígenas, com idades variadas, que pudessem fazer sugestões para a plataforma. “Foi um desafio complicado porque nós conhecíamos uma única pessoa Kogui. Terminamos o protótipo e estávamos procurando koguis em Fundación, mas a maioria eram Arhuacos”. Levou algum tempo: mas conversando com alguns Koguis como por exemplo Óscar, um vendedor ambulante, conseguiram aumentar o grupo de participantes. “Foi uma conquista que os membros da comunidade soubessem e gostassem do projeto”, conclui o professor.
Com um grupo de pesquisa consolidado, os alunos usaram estratégias de Design Thinking para traçar um mapa da experiência do usuário a partir das contribuições dos koguis. Esta cartografia digital consiste em entender como o usuário gostaria de se relacionar com o conteúdo do site, se deseja mais vídeos, mais conselhos de pronúncia, etc. Foi um desafio recolher os testemunhos, porque embora o desejo era ouvir as exigências, havia pedidos que os sites livres e gratuitos não podiam fazer. Foi um verdadeiro exercício de articulação conseguir equilibrar os pedidos com o que era possível na prática.
O último desafio foi a pronúncia. A língua kogui não é simples; há um sistema fonético muito sofisticado que age diretamente na gramática. Os alunos queriam incorporar isso no projeto como uma forma de preservar a língua, mas sentiam dificuldade, mesmo com as explicações dos indígenas. Foi preciso paciência para aprender, mas eles tinham, porque os alunos consideram uma justiça epistêmica, como explica o professor mediador. “Para os indígenas também foi muito difícil aprender a língua para usar o comércio, para poder estudar. Então, quando os alunos conseguiram aprender a pronúncia, se sentiram muito orgulhosos.
Validação comunitária
Foram cerca de três meses para completar todo o projeto e finalmente chegar à fase de teste, que os alunos e o professor chamaram de validação comunitária. O nome é preciso: depois de tanto trabalho para reunir participantes de diferentes idades, a ideia era fazer os testes do site com um público diversificado, capaz de trazer desafios, ausências e também acertos do protótipo.
“Começamos com as crianças da comunidade Kogui e também com os alunos da escola de anos iniciais, pensando como era importante forjar o respeito pela diversidade cultural desde a infância. Depois levamos o protótipo para adolescentes e adultos da comunidade Kogui, o que facilitou o processo de feedback.” O feedback da comunidade foi positivo. Além do cuidado com a língua, eles se interessaram em ver conexões entre as áreas de STEM e a cultura tradicional, como uma parte do projeto, dedicada a falar sobre biologia, a partir da medicina tradicional dos Kogui.
No final, este é um projeto da escola e da comunidade. Os alunos que participaram da primeira versão agora estão saindo da escola e começando a faculdade. A proposta é que os alunos dos próximos anos que entrarem no décimo ano continuem o desenvolvimento do Koguinet.com. Como o grande desafio é a pronúncia, a tarefa principal agora é desenhar o site para que seja mais fácil de aprender.