Você consegue imaginar usar um sistema de Internet para gerar eletricidade? Parece coisa de filme de ficção, mas foi a base do projeto “Elektronet”, finalista do Solve for Tomorrow Chile, em 2023. A proposta visava solucionar a falta de energia elétrica e poder levá-la para onde não existe, sendo mais uma opção econômica para a população, já que, no país, uma em cada quatro famílias considera excessivos os gastos com este serviço essencial, segundo a Rede de Pobreza Energética.
A professora Natalia Navarro Cabello foi a mediadora do projeto. Ela ministra as disciplinas de Química e Ciências Naturais e é responsável pelo Departamento de Ciências e por todos os projetos de investigação. Desde 2021, quando ela chegou à escola, a instituição trabalha com aprendizagem baseada em projetos levando em consideração a Inovação e as áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM). Em março, início de cada ano letivo, a escola lança um edital para formação de grupos para esses projetos. Os estudantes se unem de acordo com suas afinidades.
Os participantes da equipe frequentavam o primeiro e o segundo ano do ensino secundário (são quatro no total, que finalizam a etapa de escolaridade obrigatória). “O primeiro passo foi investigar o ambiente a partir da observação; ver quais problemas locais poderiam ser resolvidos com um projeto”, relata a professora. “Começamos fazendo um processo de pesquisa em grupo onde eles começaram a apresentar suas ideias e avaliar o que causaria mais impacto. É fundamental ter empatia nessa fase”, destaca.
Dificuldades de uma estudante inspiram projeto
O Colégio Santa Cruz de Unco é uma escola pequena, com duas turmas de 20 a 30 alunos. Muitos alunos da escola vêm dos municípios do entorno da cidade de Santa Cruz, onde a economia se concentra na agricultura e onde o acesso à energia é escasso para a população. Ainda existem 24.556 residências sem fornecimento de energia elétrica, segundo RedPe & Generadoras Chile.
“Tive uma aluna que, no período da pandemia, teve muita dificuldade para estudar. Ela já estava na universidade e recebeu um chip e um tablet, mas o problema era como se conectar sem energia elétrica. Embora já houvesse cerca de 50 famílias com painel solar, esse dispositivo carregava apenas uma bateria e durava cerca de seis horas por dia”, lembra a educadora. Segundo ela, essa energia não era o suficiente e era distribuída principalmente para abastecer geladeiras e um único celular para a comunidade.
“Primeiro, pensaram numa resposta para esse problema de uma forma supercomplexa. Pensaram em gerar energia a partir de diferentes metodologias iônicas”, explica Cabello. Ou seja, proveniente de uma ligação química baseada na atração eletrostática de íons com cargas opostas.
Eles iniciaram pesquisas intensas, consultando diversas possibilidades, mas, atentos ao contexto local, mudaram de ideia: “Perceberam que as ondas eletromagnéticas dos sistemas Wi-Fi estavam sendo descartadas e poderiam gerar energia”, diz.
A equipe então analisou dados e procurou estratégias utilizadas em outros países e elaborou uma proposta inédita. “Esse protótipo era uma caixinha onde armazenamos essas ondas eletromagnéticas de uma antena bem simples. A partir dela, tínhamos um sistema que retificava as ondas para ter energia”, descreve.
Mas, segundo a professora, existem vários tipos de ondas e por isso tiveram que fazer muitos testes durante aproximadamente quatro meses, para ver qual tipo funcionava melhor, armazenava mais energia ou durava mais: “Tínhamos onda completa e meia onda. Conectamos um celular ou tablet e vimos quanto tempo demoraríamos para carregar. Por fim, entendemos que a meia onda era muito melhor”.
Basicamente, o processo começa com uma antena que capta ondas eletromagnéticas de radiofrequência emitidas pelo sistema Wi-Fi. Estas são recebidas em corrente alternada e, com pontes de diodos, é possível convertê-las em corrente contínua, que são utilizadas para gerar a carga elétrica. O capacitor armazena a carga e a resistência reduz o fluxo elétrico. O Protoboard é uma placa de ensaio que serve para fazer todo o processo funcionar bem.
Em comparação com outras fontes de energia, “Elektronet” é não invasiva, escalável e replicável, barata e acessível, permite armazenamento de energia 24 horas por dia, 7 dias por semana e não emite gases com efeito de estufa.
Autonomia e parcerias para colocar sonhos em prática
Para a professora, partir de uma reflexão e chegar ao resultado que alcançou foi muito gratificante e só demonstra a capacidade que os jovens têm quando se confia neles.
Acredito que só tenho que ser o guia do processo. As ideias têm que partir dos alunos. Tivemos professores e pais que não acreditavam que este projeto pudesse se tornar realidade. Mas eu disse a eles: tudo pode ser feito , se buscarmos estratégias e alternativas, afirma.
As alianças foram importantes para o sucesso do projeto. O Ministério da Ciência do Chile fez a ligação entre a equipe e um Engenheiro Eletricista, que ajudou a ter uma segunda opinião e maior conhecimento técnico. “A mentoria do Solve for Tomorrow também foi fundamental. Eles sempre apoiam em alguma coisa. No começo, facilita o entendimento de algumas ações. No final, eles ajudam até na preparação do pitch”, acredita a educadora.
Os alunos continuaram motivados a dar continuidade ao projeto, começando pelo processo de patenteamento da ideia e, com isso, aperfeiçoando o protótipo, testando-o em outras escalas maiores.