As “cianobactérias” podem parecer estranhas para muita gente, mas fazem parte da vida em Carmelo; cidade às margens do Rio de la Plata, no oeste do Uruguai. Também chamadas de algas azuis ou cianofíceas, as cianobactérias são microrganismos que crescem muito rapidamente no verão e formam uma grande mancha verde que domina os ambientes aquáticos como uma praga. Mas há uma solução: filtrá-los com um dispositivo simples, feito de diversos materiais comuns. Essa descoberta de um grupo de estudantes foi finalista da 10ª edição do Solve for Tomorrow na Argentina, Paraguai e Uruguai.
Em contato com a pele, as cianobactérias podem causar irritação e isso prejudica o turismo e a economia da cidade. “Carmelo é uma cidade rodeada de água e é comum no verão não ser possível tomar banho por causa das cianobactérias. Os estudantes pensaram nas dificuldades que isso acarreta e quiseram mudar essa realidade”, afirma a professora Victoria Calcaterra, que mediou o projeto intitulado “Cianobactérias”.
Os estudantes envolvidos com o tema estavam no sexto ano do ensino médio (último ano da escolaridade obrigatória) do colégio Liceo Miguel Banchero Noain. No Uruguai, este curso inclui uma disciplina chamada Estudos Econômicos e Sociais, que se caracteriza pela aprendizagem baseada em projetos. “Ao longo do ano, às vezes temos até 70 projetos em simultâneo. Surgem muitas ideias e nós desenvolvemos”, explica a professora que leciona esta disciplina.
Para os três jovens de “Cianobactérias”, um dos pontos de partida foi uma palestra na escola sobre o assunto com um grupo da Faculdade de Ciências do Uruguai. Levando isso em consideração, os estudantes fizeram um mapa de empatia e definiram a “persona”, que é a representação do “cliente ideal” de um projeto ou empresa. Esse é um recurso utilizado para entender melhor as necessidades do usuário final. “Essa pessoa pode ser qualquer um da cidade, já que o problema impacta a todos de alguma forma”, explica a professora.
Colocando a pesquisa em prática
Então, o primeiro passo foi aprofundar a pesquisa sobre as cianobactérias: por que aparecem, quais são suas propriedades e como poderiam ser retiradas da água. Mas colocar as ideias em prática foi um caminho desafiador. Nem sempre quando iam coletar os organismos conseguiam encontrá-los. “Eram cerca de 20 condições que precisavam ser atendidas para o surgimento das cianobactérias. Para esse projeto, focamos em quatro: temperatura, umidade e a relação com correntes de água e épocas do ano”, relata.
Nos momentos em que as condições eram favoráveis e estes organismos eram vistos, eles tinham dificuldade em filtrá-los da água. “Buscaram várias alternativas como referência: desde o mecanismo de hemodiálise que filtra o sangue até os recursos usados no campo para fazer água potável”, descreve.
No final, usaram três tipos de filtros. O primeiro era o mais grosso e feito com material de mosquiteiro. O segundo utilizou gaze semelhante à utilizada na diálise. Este último era menor, foi utilizado um dispositivo manual de limpeza de piscina. “Reduzimos a quantidade porque sabíamos mais ou menos o tamanho de uma cianobactéria e como filtrá-la”, acrescenta. A equipe teve o cuidado de não filtrar peixes ou outras espécies junto.
Foi muito positivo ver como eles se transformaram no processo. Eles ganharam resiliência diante dos desafios e mesmo aqueles que eram muito tímidos e nunca haviam participado de algo assim, no final tiveram uma postura diferente. As famílias também estão muito gratas, diz a educadora.
Testaram o sistema de limpeza e desenharam o protótipo em versão digital, que agora pode ser feito por qualquer pessoa, através da impressão 3D. O dispositivo de filtragem pode ser conectado a uma placa Arduino que detecta quando há um possível florescimento de cianobactérias. Nestes casos, o flutuador é esvaziado e, graças a um motor, segue rolando em direção à área de coleta.
A viagem a Buenos Aires, para a cerimônia de premiação do Solve for Tomorrow, também foi um momento muito importante para a equipe. “Tivemos uma experiência marcante pelo contato com outras pessoas, vendo as pesquisas que faziam, os recursos que utilizavam”, lembra.
Colaboração para avançar
Para a equipe, a colaboração com aliados foi essencial. Contaram com o apoio do professor de Química do colégio, que os orientou sobre os mecanismos de filtração e as propriedades químicas das cianobactérias. Além disso, a professora de Biologia ajudou na seleção dos materiais necessários. A Escuela Técnica de Reparaciones, Construcciones Navales y Anexos (Escola Técnica de Reparações, Construções Navais e Anexos) disponibilizou um medidor de pH para detectar as condições da água. Além disso, a secretaria estadual responsável pelo abastecimento de água potável, Obras Sanitarias del Estado (OSE), indicou os melhores locais para coleta de cianobactérias na cidade.
O projeto já está à disposição do poder público como base para o desenvolvimento de um mecanismo maior que possa ser utilizado na cidade. “Os estudantes vão continuar na universidade mas abandonaram o projeto para que no Liceu e na Faculdade de Química outras pessoas possam aceder aos materiais e continuar a trabalhar com cianobactérias se quiserem”, relata a professora. Juntamente com pesquisadores da Faculdade de Ciências, a equipe ainda vê uma possibilidade futura de produção de biocombustíveis com estes organismos.