Fibras sintéticas das mais diversas – a maior parte derivadas de compostos plásticos – viraram material muito comum nos artigos de vestuário contemporâneo. Seja para alcançar cores e texturas, seja para baratear o custo das confecções, o que poucos sabem é que essas fibras acabam liberando microplásticos quando lavadas – essas estruturas microscópicas acabam contaminando águas, que servem ao plantio e ao próprio consumo humano. Muito pequenos, com até 5 mm de diâmetro, os microplásticos levam entre 400 e 1000 anos para serem desintegrados. Ao chegarem aos seres vivos, alojam-se em seus corpos e tecidos, com efeitos nocivos à saúde, ainda que tais efeitos sejam pouco conhecidos.
Este foi um dos temas discutidos em seminário online aberto à comunidade realizado pela Universidade del Sur, durante a pandemia de Covid-19. Ao serem convidados pelo professor de química Walter Acosta a assistir a atividade, e a observar como se realizam atividades de discussão acadêmica, os estudantes Karla Bustamante, Agustín Mangüello e Victoria Wesner decidiram que precisavam colaborar com a questão. Alunos do professor Walter na licenciatura técnica de química na Escuela de Educación Secundaria Técnica (EEST) Nº1 “Crucero A.R.A. General Belgrano”, da cidade de Bahia Blanca, distante 650 km da capital, na Argentina, os estudantes decidiram avançar em um projeto científico capaz de oferecer algum tipo de resposta ao desafio.
Embora estivesse familiarizado com os conceitos da Aprendizagem Baseada em Projetos, Walter tinha pouca experiência prática na mediação de atividades autorais discentes. Mas, ao ser convidado não apenas mergulhou “de cabeça” na experiência: transformou profundamente suas práticas didáticas a partir dela. “Os meus alunos me ensinaram muito com essa atividade. Minha prática era muito conteudista e essa experiência me mostrou a potência da abordagem via projetos, design thinking e STEM para transformar a sala de aula”, celebra.
Todo realizado como atividade extracurricular, em horários após as atividades, foram muitos meses de dedicação de todo o grupo. Para dar início à proposta, usando grupos de Whatsapp, o professor e o trio de estudantes compartilhavam textos de referência sobre o tema. Como tarefa, após estipulado um prazo, os jovens tinham que ler e resumir os conteúdos discutidos em breves reuniões na hora do recreio ou após as aulas. “É preciso lembrar que eles realizaram todo projeto ao mesmo tempo que cumpriam a carga horária e atividades de 12 disciplinas”, discute Walter.
Mobilizados pela literatura, os jovens começaram a construir hipóteses sobre as consequências dos microplásticos para o meio ambiente e as pessoas. Uma vez que partículas já foram encontradas na corrente sanguínea de pessoas e até em placentas de gestantes, os jovens se perguntaram quais seriam as possíveis consequências de longo prazo da contaminação no corpo humano: os microplásticos poderiam impactar as funções filtrantes do corpo humano, como rins e fígado? Quais as consequências possíveis? Há um limite de partículas para evitar problemas mais graves? “Nossa ideia era que eles fizessem boas perguntas, traçassem hipóteses, mesmo que não conseguissem testá-las ou demonstrá-las neste momento. E a proposta do STEM é justamente essa! Fazer com que os jovens abram suas mentes”, justifica o professor.
Uma vez que fundamentaram que cerca de 35% dos microplásticos encontrados nas fontes de água, plantas e animais provinham da lavagem de roupas, os jovens decidiram que precisavam desenvolver uma espécie de filtro – de baixo custo e reutilizável – para as máquinas de lavar.
Antes de definir o composto filtrante, os jovens precisavam construir o aparato que iria comportá-lo, permitindo que água fluísse e que “captasse” as microestruturas plásticas. Foram muitos desenhos em papel, revisão de mecanismos semelhantes existentes e projetos em softwares de design até chegar ao protótipo. Para desenho do instrumento em 3D, os jovens utilizaram o Tinkercad, um aplicativo web gratuito que permite o desenvolvimento de projetos 3D, eletrônica e codificação. “Como licenciandos em química, eles não estavam acostumados a usar ferramentas de tecnologias digitais – e me surpreenderam muito, tanto com a rapidez com a qual aprenderam a manejar o aplicativo quanto com a qualidade e complexidade do desenho que desenvolveram”, explica o professor. O protótipo impresso dispõe de uma conexão para a entrada da água da mangueira de deságue da lavadora de roupas e uma saída em sua parte inferior. Desmontável, o instrumento pode ser reutilizado em múltiplas lavagens e tem estruturas vedantes, evitando a possível perda de materiais.
Foco na pesquisa: a importância da experimentação
Como estudantes de química e orientados por Walter, os jovens começaram a desenvolver testes laboratoriais para testar compostos filtrantes, seguindo a literatura de referência. Após uma série de experimentos, chegaram ao uso do carvão ativado como a melhor opção disponível. O carvão ativado tem uma estrutura bastante porosa com uma carga elétrica negativa, capaz de atrair toxinas e produtos químicos, como os microplásticos. Foram vários experimentos, que exigiram, além da realização dos mesmos, estudo atento e discussão em grupo dos resultados. Os jovens testaram os compostos e sua eficiência tanto na redução de sulfatos quanto na aderência e diminuição dos microplásticos da água.
Com o apoio da mentoria do Samsung Solve for Tomorrow, os jovens conseguiram avançar na compreensão sistemática de sua invenção para a sociedade. “Não era apenas um produto que estavam desenvolvendo, e sim uma resposta a um desafio ambiental concreto, que impacta profundamente a vida das pessoas”, justifica Walter, chamando atenção para a importância da etapa empatizar da trilha de projetos. “Ao vivenciarem de fato a etapa, os jovens tomaram a questão como sua de fato, querendo resolvê-la, abraçando-a”, complementa.
Para o docente, o apoio da mentoria foi importante também para dinamizar as relações do grupo, formando, inclusive, ele mesmo como professor mediador. “Por mais que eu me esforçasse, percebi que os jovens em sala de aula não se sentiam escutados como em atividades como esta. Vi que a mentora do programa, Clara de Marcos, [coordenadora de projetos de inovação social e ambiental da Tekuoia, parceira técnica do Solve for Tomorrow no país] reconhecia a voz que eles tinham, os encorajava a se verem, se perceberem como líderes, proponentes de mudanças”, explica. Ele ressalta ainda a importância das habilidades socioemocionais, especialmente da colaboração. “Eles tiveram que aprender a trabalhar juntos, a reconhecer as potências de cada um e que precisavam de apoio”, relata.
Embora informal, o acompanhamento dos jovens deu ideias para Walter iniciar um processo de avaliação, criando rubricas para acompanhamento dos conhecimentos adquiridos por meio da aprendizagem por projetos e das habilidades e atitudes que desenvolvem no decorrer do processo. “Construí marcadores, que venho utilizando nas aulas regulares e, ao final do processo, meus alunos passaram a preencher um questionário, identificando o que aprenderam, quais as facilidades e os desafios desse tipo de proposta, o que precisam melhorar, o que eu preciso melhorar como professor etc.”, explica o docente, indicando que, para ele, esse é o caminho para avançar na qualidade e pertinência dos processos educativos para a juventude.