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Filtro de baixo custo criado por jovens elimina toxinas e cria biofertilizante

Colocando em prática conhecimentos de Química, Tecnologia e Administração, projeto usa materiais de baixo custo e evita danos à saúde e ao meio ambiente.

Professor(a)

Foto de Gustavo Santos Bezerra
Gustavo Santos Bezerra
Foto de Carla Robécia
Carla Robécia

Escolas

Escola Estadual Professor Paulo Freire

Nome do projeto

Filtropinha

Áreas STEM

Ciências, Tecnologia

Outras áreas de conhecimento

Educação Ambiental, Química

Com base nos conhecimentos em STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, na sigla em inglês), quatro adolescentes do sertão pernambucano, no Brasil, inspiraram-se para criar um projeto que alia benefícios à saúde e ao meio ambiente. O projeto “Filtropinha” foi vencedor do Solve for Tomorrow no país, em 2024, e tem o objetivo de construir filtros com casca de pinha para tratar a manipueira, líquido tóxico descartado da produção de farinha de mandioca. 

Nas casas de farinha do Quilombo Travessão do Caroá, no nordeste brasileiro, a mandioca dá origem a uma farinha crocante e saborosa, muito apreciada na culinária do país. Apesar de ser uma importante fonte de renda para a comunidade, a produção da farinha deixa como resíduo esse líquido amarelado e rico em ácido cianídrico, um composto químico extremamente volátil.

Para o desenvolvimento do projeto, o grupo visitou o quilombo e as casas de farinha. Lá, puderam conversar com os produtores de mandioca e constatar os efeitos negativos do descarte incorreto da manipueira. “A gente percebeu que ao redor da casa de farinha que a gente visitou havia uma degradação no solo, que nada crescia ao redor de onde era despejado o rejeito. E os trabalhadores reclamavam muito de dor de cabeça, de tontura”, relembra o professor Bezerra. Os estudantes também retornaram à comunidade quilombola para mostrar os resultados dos estudos e testes, sempre mantendo linguagem simples. 

Caso ingerida ou inalada, a manipueira pode levar à morte e, se for descartada diretamente no meio ambiente, pode causar infertilidade do solo e contaminação de água. Pensando nisso, os estudantes criaram um protótipo de um filtro de baixo custo que reduz em até 80% o nível de toxicidade da manipueira, possibilitando o reaproveitamento da água na produção de farinha e a fabricação de adubo orgânico com o concentrado que fica retido durante a filtragem.

A manipueira é um líquido tóxico descartado da produção de farinha de mandioca.

O professor de química Gustavo Bezerra, mediador do projeto, relata que a ideia partiu dos próprios estudantes, entre eles duas jovens que moram no Travessão do Caroá. “Durante a disciplina de Construções e Invenções Sustentáveis, alguns estudantes já tinham sugerido fazer um estudo sobre essas casas de farinha, que são fonte de renda para algumas comunidades rurais daqui do município de Carnaíba, só que essas comunidades sempre foram negligenciadas”, explica o educador da Escola Técnica Estadual Professor Paulo Freire. Além dele, a professora Carla Robécia foi co-mediadora do projeto que envolveu quatro adolescentes de 16 anos e 17 anos do 2º ano do ensino médio (penúltimo ano da escolaridade obrigatória).

Estávamos na última semana de mentoria do projeto, sem conseguir bons resultados. Filtrávamos a manipueira e o líquido ficava ainda mais ácido. Até que acrescentamos o carvão ativado e tudo começou a funcionar. O líquido ficou mais claro, a condutividade e o pH reduziram e o teste de toxicidade comprovou ainda mais a melhora, conta Gustavo Bezerra.

Testes práticos levaram a um protótipo

Antes de conseguir fazer o filtro funcionar, a equipe experimentou métodos diversos. Uma das primeiras ideias para diminuir a acidez da manipueira foi a decantação, um método de separação de misturas heterogêneas entre sólido-líquido e líquido-líquido. Também pensaram em instalar uma membrana para diminuir a acidez da manipueira, mas o problema persistiu. Consultando referências bibliográficas e acertando o uso do cartão ativado, partiu-se para a construção de um filtro em impressora 3D, que pudesse ser acoplado em uma caixa contendo manipueira. Por dentro, o filtro foi preenchido por uma camada de algodão, um filtro de papel, farinha de casca de pinha e carvão ativado feito a partir dessa mesma casca. Sem considerar a mão de obra, cada protótipo completo custa em torno de R$ 4,41 e apenas o refil é cerca de R$ 0,25. 

Para garantir resultados efetivos, a toxicidade da manipueira era testada antes e depois da filtração. Para isso, os estudantes utilizaram uma metodologia de baixo custo com sementes de alface. Elas eram expostas ao líquido antes e depois de passar pelo filtro e, em seguida, eram plantadas. Antes da adição de carvão ativado no protótipo, apenas 20% das sementes germinavam. Depois, 80% das sementes plantadas se desenvolveram.

A escala numérica utilizada para especificar a acidez ou basicidade de uma solução é o pH. Após a filtração, essa escala era medida e os indicadores também mostraram melhora na toxicidade da manipueira. Segundo os testes feitos no laboratório da própria escola, após a filtragem, o líquido chegou próximo do pH 7, considerado neutro, o que mostra perda significativa de acidez na amostra.

Os próximos passos são aperfeiçoar o protótipo para que ele consiga ser acoplado em caixas d’água, para filtrar grandes volumes de manipueira. Outro objetivo do projeto é utilizar as cascas de pinha e o carvão ativado depois de filtrar como um fertilizante de liberação lenta, já que o material se torna rico em nitrogênio e carbono.

“A ideia agora é tentar firmar um apoio financeiro com a prefeitura para comprar alguns materiais a mais para fazer esses testes. Queremos, por exemplo, fornecer o filtro para três casas de farinha, e após o tratamento também testar os fertilizantes, para contribuir ainda mais com a comunidade”, destaca Gustavo Bezerra.

Estudantes consultaram referências bibliográficas e experimentaram vários métodos com a mão na massa, até chegar ao protótipo.

ODS guiaram projeto STEM

O uso de projetos STEM, que tenham foco nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), tem sido uma ferramenta importante para envolver os estudantes em um aprendizado prático, complementando a aula teórica. O professor Gustavo Bezerra, que já participou do Solve for Tomorrow em outras ocasiões com projetos desenvolvidos na ETE Professor Paulo Freire, destaca a importância desse olhar para melhorar a vida de quem aplica os conhecimentos. “Se na escola eles aprendem o tratamento de água utilizando um processo de eletrofloculação, não é apenas na escola que essa eletrofloculação pode ser feita. É algo que pode melhorar a qualidade de vida deles na comunidade”, exemplifica o educador.

No “Filtropinha”, o professor Bezerra relata que os estudantes construíram mais confiança e facilidade para falar em público depois do Solve for Tomorrow. Acima de tudo, eles aprenderam a não desistir do projeto na primeira falha. Esses meninos são muito curiosos, eles têm acesso a diversas informações e na comunidade deles eles conseguem observar bastante. Nós, como professores, devemos direcionar eles até esse caminho, que é a escolha do que eles querem fazer na vida acadêmica. Trabalhar com o ‘Filtropinha’ no Solve for Tomorrow foi muito gratificante. Nós, professores, vamos nos adaptando para nossas práticas pedagógicas não ficarem enferrujadas. Isso nos faz evoluir”, conclui Bezerra.

Foco na prática!

Confira o guia do professor de como construir um filtro a partir de casca de pinha para retirar as propriedades tóxicas da manipueira.

Empatia

Estudantes observaram que, na própria comunidade quilombola onde moravam, o descarte inadequado de manipueira trazia danos à saúde e ao meio ambiente. O líquido é 25 vezes mais poluente que o esgoto e, por falta de opção, por vezes era descartado diretamente no solo ao redor das casas de farinha, causando infertilidade da terra.

Definição

O desafio era criar uma solução para que a manipueira, um resíduo tóxico da produção de farinha de mandioca, fosse tratada e reaproveitada pela comunidade.  O projeto se propôs a reduzir ou mesmo eliminar o ácido cianídrico presente na manipueira, que é o principal causador de problemas de saúde e meio ambiente.

Ideação

Os estudantes desenvolveram a ideia de um filtro, que seria acoplado em caixas d’água contendo manipueira. O equipamento transformaria o líquido em água de reúso para a própria produção de farinha. Além disso, o material filtrado seria transformado em cápsulas de fertilizante, enriquecendo o solo que havia sido danificado pela manipueira.

Protótipo

O protótipo que funcionou melhor é composto por um suporte fabricado em impressora 3D, acompanhado de um filtro feito com papel, algodão, farinha de casca de pinha e carvão ativado feito a partir dessa mesma casca. O filtro possui roscas para ser facilmente encaixado em uma tubulação comum.

Teste

Sementes de alface foram expostas à manipueira antes e depois da filtragem. Apenas 20% das que entraram em contato com o líquido puro germinaram. Já as sementes que receberam o líquido tratado cresceram 80%. O próximo passo é aperfeiçoar o filtro para utilização em grande escala.

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