No nordeste brasileiro, está Tutóia, um município com praias urbanas onde se consome muita água de coco. Um dos pontos mais visitados é o povoado Arpoador, em que o coco é tão abundante que serve até para pavimentar as ruas. Por ser um lugar onde o solo tem bastante areia, as cascas do fruto servem para evitar que os veículos atolem. Observando o grande potencial do uso sustentável desse insumo, estudantes decidiram aproveitá-lo para gerar combustível a baixo custo para os moradores.
O projeto, intitulado “Produção de Combustível Sólido de Alto Rendimento com Cascas de Coco e Serragem”, foi um dos finalistas do Solve For Tomorrow em 2023 no Brasil. Os integrantes da equipe estavam no 1º ano do Ensino Médio (antepenúltimo ano de escolaridade obrigatória), tinham entre 14 e 15 anos e estudavam em áreas diversas do ensino técnico: Administração, Enfermagem, Gastronomia e Guia de Turismo.
De acordo com o professor de química Lute Rafael de Souza, que mediou o projeto, a ideia surgiu em uma disciplina eletiva da escola chamada “Made in Tutóia”, cujo foco era aprender a aproveitar materiais comuns na região – como o camarão, o coco e a mandioca – para desenvolver novos produtos. “Essa disciplina acabou gerando uma tempestade de ideias muito grande. Os estudantes encontraram adubo e filtro de água feitos com casca de coco, plástico com casca de camarão, enfim. E a gente foi vendo o que era mais viável para desenvolver um projeto e a ideia dos acendedores de churrasqueira acabou se sobressaindo”, destaca Souza. Isso resolveria o acúmulo de resíduos do coco na cidade e traria uma alternativa mais econômica para os moradores usarem nas suas cozinhas.
No início, a meta era fazer um combustível para fogueiras semelhante ao já existente no mercado, mas usando materiais alternativos e tamanho portátil. Para substituir o pó de madeira de eucalipto, utilizaram a casca de coco, ralada com raladores de cozinha, e serragem de madeira, obtida em serrarias do próprio município. Mas a equipe não sabia exatamente qual era a substância utilizada no produto comercial para agregar os materiais e produzir a chama. Por um palpite, decidiram usar cera de vela e funcionou.
A lição que ficou é que é importante experimentar na prática. Quando a gente colocou o protótipo pra queimar e uma das estudantes cronometrou, a chama durou 18 minutos. Lembro como se fosse hoje, todo mundo comemorou, declara.
Do coco ao fogo
A equipe também desenvolveu queimadores em dois formatos: cilíndrico, com forma feita de rolo de papel higiênico, e cúbico, com forma em molde de madeira. “O ponto forte do nosso projeto é que ele é fácil de fazer. Qualquer pessoa na comunidade, onde tem muito coco, pode ralar casca e misturar com cera de vela, moldar e fazer o material. Inclusive, isso pode até ser uma fonte de renda para as pessoas”, destaca.
Com um único coco seco, é possível produzir 41 unidades de combustível sólido. “O formato cilíndrico foi que apresentou maior rendimento, o tempo médio de duração da chama ficou em torno de 27 minutos. É uma chama intensa, com alta temperatura, chega perto dos 700°C”, lembra.
Além de acendedor, produto também pode ser repelente
A partir do sucesso nos primeiros experimentos, a equipe continuou a pensar em como agregar novas funções ao combustível sólido. Um dos estudantes teve a ideia de acrescentar propriedade repelente ao produto, já que é uma região que tem muitos mosquitos à noite. Para isso, usaram a queima de outra espécie comum na região: o nim indiano. A planta é usada por pecuaristas para derrubar carrapatos de animais. Além disso, a fumaça da própria casca de coco queimada é muito utilizada como repelente caseiro para espantar insetos.
“Desidratamos a folha do nim indiano com o protótipo de um outro projeto, que é um forno solar. A partir dessas folhas desidratadas, misturamos com o pó da casca de coco e testamos algumas variações. Primeiro, a gente experimentou com o combustível queimando e o efeito repelente não foi muito grande. Mas, se você deixa ele queimar por alguns minutos, apaga e deixa só a fumaça se espalhar no ambiente, o resultado é muito bom para espantar mosquitos”, detalha Souza.
Futuro na Ciência
A mobilização dos estudantes para desenvolver o projeto foi voluntária e um dos resultados mais importantes observado pelo professor foi adquirir o gosto pela ciência e a autonomia. Para Souza, o propósito do fazer científico está em buscar soluções para ajudar as pessoas na vida real. “Esses estudantes não deixam a desejar para qualquer um que está na universidade desenvolvendo um projeto com bolsa de iniciação científica. Eles foram extremamente pontuais com o nosso horário no intervalo de almoço. Eles mostraram amadurecimento, responsabilidade, protagonismo e organização”, elogia o professor.
Para os educadores do IEMA Casemiro de Abreu, o projeto finalista no Solve For Tomorrow trouxe um novo ânimo para acreditar no poder transformador da educação. “Participar de um programa desse tamanho é um privilégio tão ímpar, que é algo que vai marcar minha vida para sempre. Através da Ciência, da Engenharia e da abordagem experimental, somos capazes de motivar os alunos. Hoje, estou super motivado. E tenho certeza que isso deu ânimo para toda a equipe da escola”, relata.