Em uma área rural do Peru, uma professora e três alunos identificaram que o uso de um caldo sulfocálcico (feito com enxofre e óxido de cálcio) pode ser muito mais eficaz e sustentável do que os pesticidas químicos disponíveis no mercado. Por meio de testes e orientações de profissionais da agricultura e tecnologia, o resultado mostrou que é possível melhorar a produção de abacate, um dos principais meios de subsistência no centro povoado (divisão administrativa no Peru) de Socos, onde vivem. Além de ajudar a população, esta iniciativa foi vencedora da 10ª edição do Solve for Tomorrow Peru.
“Sulcac Orgânico” é o nome deste projeto da escola estadual Victor Raúl Haya de La Torre. O centro povoado de Socos fica no departamento de Huancavelica, uma região onde a maioria da população vive da agricultura. Os alunos muitas vezes são filhos de produtores rurais e moram em cidades próximas, necessitando viajar uma hora ou mais (a pé ou de van) para chegar às aulas.
Esta é também a realidade dos alunos envolvidos no projeto, que têm 16 e 17 anos e frequentam o quarto ano do ensino secundário, ou seja, o penúltimo ano da escolaridade obrigatória. A professora mediadora, Norca Salazar, também é do bairro de Lambras e, por morar nesta região, tornou-se sensível às dificuldades dos trabalhadores rurais.
A educadora ministra aulas de Ciência e Tecnologia e já tinha experiência desenvolvendo esse tipo de projeto em outras escolas. Ao ingressar na escola Victor Raúl, propôs que se dedicassem a programas como o Solve for Tomorrow. “Vi que às vezes as pessoas da comunidade iam para a cidade em busca de trabalho e lá passavam mais necessidades. E me perguntei: por que não melhoram a produção para poder competir com outras empresas maiores que se dedicam à exportação de abacate?”, questionou a professora.
Com esta reflexão em mente, Salazar discutiu com os três alunos que se ofereceram para participar no projeto e juntos começaram a tentar descobrir o que faltava para que a produção local crescesse e se tornasse 100% biológica. “Um aluno disse que aqui tem muitos ácaros marrons que atacam as plantações e então investigamos mais para entender por que isso estava acontecendo e como poderíamos combater sem degradar o meio ambiente”, lembra.
Trabalho de campo e aliados foram cruciais
O primeiro passo foi visitar as plantações da comunidade, principalmente a de um agricultor, amigo de um dos jovens, alguém que se tornou aliado. Foi lá que fizeram a maior parte dos testes, para ver o que poderia afastar os ácaros e observar frequentemente os efeitos dos produtos nos abacateiros.
Enquanto isso, eles conversaram com alunos do quinto ano do ensino médio sobre como os biocontroladores, que são os inimigos naturais que combatem as pragas, estão desaparecendo e quais os efeitos que as lavouras sofrem com as mudanças climáticas.
O grupo ainda ganhou mais um aliado, um engenheiro, amigo dos pais de um dos jovens. “Ele veio predisposto para a escola, chegou a dar palestras para todo o ensino médio sobre poluição ambiental e a importância do uso de produtos orgânicos. Ele contou sobre o caldo sulfocálcico e esse foi o nosso ponto de partida”, disse a professora.
Somou-se a essa orientação uma pesquisa aprofundada sobre alternativas naturais aos agroquímicos. Depois de testar outros tipos de compostos orgânicos, o caldo sulfocálcico mostrou-se a melhor alternativa: afeta o sistema nervoso e respiratório do ácaro marrom e é, portanto, uma forma de controle muito eficaz.
O caldo é produzido com dois componentes básicos: enxofre, que é adquirido no distrito, e cal (óxido de cálcio) que o próprio equipamento produz a partir do calcário, um tipo de rocha sedimentar facilmente encontrada no local. As quantidades de cada elemento variam de acordo com o tipo de uso, mas o frasco dessa solução natural é bem mais barato que o do agrotóxico comum, chegando a 40 vezes mais barato.
As folhas dos abacateiros que têm muitas aranhas ficam marrons e percebemos que elas mudaram de cor. Agora as marrons caíram e nasceram de novo verdes, saudáveis, explica.
Isso indicou que conseguiram controlar a praga após algumas doses de aplicação e que o protótipo foi aprovado em testes. Outro benefício descoberto é que o sedimento (gerado na fervura do caldo) pode ser aproveitado para fazer enxertos na poda, com a função de curar as plantas.
Maior confiança nos jovens
Por viverem numa zona rural de difícil acesso, os alunos da Sulcac Orgánico pensaram inicialmente que não conseguiriam competir com escolas maiores em contextos urbanos. Mas eles perseveraram, com a motivação constante da professora, e agora que venceram o programa Solve for Tomorrow, sentem-se muito mais confiantes e dispostos a se dedicar à pesquisa científica. “Eles estão ansiosos para continuar estudando e fazer mais pela comunidade”, destaca Salazar.
Agora continuam com novas ideias. “Os alunos estão entusiasmados, pretendem melhorar o protótipo e quem sabe juntar-se a outras equipes de outros projetos. Já estão investigando, por exemplo, como substituir os frascos usados para embalar a solução”, revela a professora. O objetivo também é ampliar visitas e trabalhos em comunidades e cidades vizinhas.