Quem mora com crianças provavelmente já se preocupou em algum momento com a exposição excessiva às telas. A presença de televisões, celulares e computadores, entre outros dispositivos, é constante e, especialmente desde a pandemia, tem havido muito debate sobre o efeito que “estar conectado” o tempo todo pode ter na saúde mental e física. Os estudantes de uma escola em Carmelo (Uruguai) também se preocupam com isso, observando seus irmãos ou primos mais novos e, por isso, decidiram criar uma forma de controlar o tempo de tela de crianças entre 1 e 7 anos de idade.
O projeto se chama niñOS e as duas últimas letras maiúsculas fazem referência à sigla em inglês para Sistema Operacional, que é o programa-base que gerencia todos os recursos do aparelho. A solução foi finalista do Solve for Tomorrow Argentina, Paraguai e Uruguai em 2022. O software desenvolvido é capaz de regular a qualidade e a quantidade de tempo que as crianças passam com os dispositivos. Desta forma, os adultos podem controlar o uso e as configurações da tela.
Naquela época, os quatro estudantes envolvidos haviam passado dois anos vivenciando a pandemia, entre o ensino a distância e o modelo híbrido. Ou seja, eles próprios viveram um momento único de excesso de telas, embora já fossem uma geração que cresceu com esse tipo de tecnologia.
Assim, em 2022, quando estavam no sexto ano do ensino secundário (último ano da escolaridade obrigatória) e tiveram que escolher um tema para trabalhar nas aulas, decidiram seguir este caminho. Isso porque, no Uruguai, esse ano inclui uma disciplina chamada Estudos Econômicos e Sociais, que se caracteriza pela aprendizagem baseada em projetos.
“As estatísticas que analisaram globalmente de 2020 a 2022 mostraram que, em apenas um período de dois anos, o número de horas que crianças de 0 a 7 anos passaram em frente a uma tela aumentou quase 40%”, disse a professora mediadora Victoria Calcaterra. Segundo ela, as consequências dessa exposição excessiva vão desde o desenvolvimento cognitivo e físico até problemas de visão, postura e má socialização com outras crianças.
Durante a pesquisa bibliográfica, os estudantes realizaram entrevistas com dois especialistas: um neuropediatra e um psicólogo, para melhor compreender esse contexto. “Eles conseguiram uma entrevista com o ‘número um’ em neuropediatria do Uruguai. Isso foi incrível. Eu participei com eles e me orgulho porque os jovens sabiam muito, haviam lido para se preparar. Foi um momento importante porque sentiram que o que estavam fazendo realmente tinha valor”, relembra alegremente a professora.
União da teoria com trabalho prático
Além da pesquisa e das conversas com profissionais, os jovens também fizeram um estudo de caso com cinco crianças. Uma era filha da professora e as demais eram parentes dos estudantes. “Deram-lhes por um lado o celular, depois vários jogos. E viram o que preferiam nas situações, com o que mais se divertiam, que linguagem usavam enquanto jogavam e quando viam um vídeo no YouTube”, descreveu a educadora.
Eles repetiram os testes três vezes e filmaram para posterior análise. “Obviamente foi muito subjetivo porque não tínhamos um profissional nos dizendo como seguir os passos, mas foi uma tentativa menor de estudo de caso”, adverte Calcaterra.
A professora acredita que o melhor de fazer projetos como esse na escola é que os estudantes possam entender como funciona a metodologia científica, ainda que em uma escala mais simples, e descobrir na prática quais são suas habilidades interpessoais e técnicas. “Podemos perceber que um estudante se destaca em informática, enquanto outro é mais comunicativo; cada um encontra seu lugar na equipe”, ressalta.
Transformando conhecimento em ferramenta
A ideia inicial foi baseada puramente em pesquisa. A criação de um aplicativo surgiu quando decidiram se inscrever no Solve for Tomorrow, pois o programa incentiva a criação de uma solução tecnológica. Um dos estudantes, Máximo Cardozo, que já tinha experiência própria com aplicativos, teve a ideia e começou a projetar o software, com a ajuda de um professor de design. “O objetivo não era que as crianças não utilizassem as telas, mas sim que o utilizassem de uma forma mais adequada ao seu desenvolvimento”, sublinhou a professora.
E como fazer isso? A equipe planejou uma forma de os adultos controlarem quanto tempo uma criança usa o smartphone e acessar apenas jogos educativos e outros aplicativos considerados apropriados. “Temos celulares e sabemos que alguns desses aparelhos já possuem controle parental. Essa foi uma das nossas inspirações”, relata Calcaterra.
Porém, a equipe gostaria de ir além de replicar um modo de controle parental, criando eles mesmos os jogos educativos como opções para as crianças. Assim, toda vez que um era criado, Máximo mostrava aos sobrinhos para verificar a experiência do usuário. Posteriormente, na fase de testes, testaram com o grupo de cinco crianças e novamente em uma exposição escolar, que é um evento onde os estudantes expõem seus projetos em um estande.
No final, o resultado foi um sistema operacional criado de forma independente, mas com potencial para posteriormente ser transformado em um aplicativo que qualquer pessoa pode usar em seu próprio celular. Agora, os quatro estudantes já estão na faculdade. Máximo estuda Design e os outros três estudam engenharias diferentes.
Para Victoria Calcaterra, a lição que fica, olhando para trás, é reforçar até que ponto o estudante é capaz de transformar o mundo:
A imaginação que um jovem tem é formidável. Como professores temos que ver que eles são ótimos, que têm muitas ideias e que se importam muito mais do que parece, finaliza.